Motim

Motim

— J. A. Medeiros da Luz

 

Presta atenção, ó renitente pluma,

Que, a rigor, de pluma só o nome tens!

Este mestre, mais um (entre bilhões)

Errante bípede na caatinga do cosmo,

Senciente observador de eventos,

Suplica, demanda, quer, exige agora,

Um poema de ti,

Pena rústica no estilo, mas

A esnobar técnicas eletrônicas

No simular rabiscos de píxeis nesta

Tela de líquido cristal, no ecrã.

 

Ordeno, repito, um poema exato,

Carregadinho de alegria,

Como de flores e frutos se carregam

Os caules das jabuticabeiras lá pelos

Meados de setembro, ou depois

Da primeira chuvarada.

Peça lírica onde paixão, felicidade

Estejam, como irmãs siamesas,

Enfeixadas em um só poema.

 

Vai, toma nota, e não te confundas:

Especifico que terás que ser também

Repleta de doçura, mel

Aos ouvidos daqueles suspirantes

Que se demoram a ouvir estrelas,

A balbuciar em êxtase um nome...

E tal poema terá de se primar

Em ser muitíssimo sincero!

E que isso seja-te óbvio, pois,

Que olor se espera de rosas

De plástico, de polipropileno colorido?

 

Vê: tenho laborado até hoje

Somente a expelir palpites,

Pitacos, insinuações tímidas a ti.

Agora, não mais — a postos!

Anda; o que estás a esperar,

Ó pena, tu que embirravas

— Nas décadas passadas, hoje pó,

Penumbras do inexistir, por certo —

A te derramar em penas?

 

Pois, doravante, eu decreto,

Deves sempre te lembrar da regra:

O verbo principal terá forçosamente

Que ser amar, amar, amar.

  

Ouro Preto, 13 de fevereiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@gmail.com © J. A. M. Luz]

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • Relendo. Essa obra.me encantou demais...

    • Que bom, cara Márcia, que você tenha gostado! Fico lisonjeado pela releitura! Embora sem rimas e sem metro, este poemeto, a simular irreverência, parece-me um bocadinho romântico... 

      E, um tanto atipicamente, acabo de postar um poemeto com versos eneassilábicos e rimados, mas embutidos em uma figura (na realidade um projeto de vitral, que arrisquei em 2006). Entretanto, mesmo tendo reduzido o tamanho do arquivo para 255 kB, parece que extrapolei as novas regras, pois — no momento — estou proibido pelo sistema de apensar umas considerações, como geralmente faço, visando à sua contextualização.  O problema é que sem a imagem (que serviu de mote) o texto fica prejudicado. Pelo jeito ficará para uma próxima ocasião eu carimbar um poema rimado.

      Abraço; j. a.

  • Somente para explicar para o leitor mais averiguador das normas gramaticais, na defesa estrita do vernáculo, comento, aqui, o verso:

    "E que isso seja-te óbvio, pois,"

    Como se sabe, nesse caso, a ênclise ofende aos manuais, pois a partícula "que" (e, ainda, reforçada, pelo demonstrativo "isto") leva à atração e, por conseguinte, próclise do pronome pessoal do caso oblíquo. Contudo, o ritmo do verso (em meu cérebro) me incitou a registrar a ordem desse modo...Ponhamos a heresia na caçapa das famosas "liberdades poéticas".

  • This reply was deleted.
    • Agradecido pelas palavras generosas, cara Margarida.

      Até me desculpo por estar interagindo pouco com os demais membros daqui de nosso cantinho virtual. É que estou numa azáfama de trabalho técnico e de pendências pessoais (incluindo aí a literatura). No momento estou finalizando o que penso ser meu derradeiro livro de poemas, pois tenho outras pendências literárias e técnicas a ser atacadas antes que o metabolismo de quem lhe dirige a palavra estrile, comece a bater biela, ou, simplesmente, cesse...

      Cogito ainda inserir dois ou três poemas para passarmos a régua nesse citado livro (que atenderá pelo nome  "Seixos ao sol"). E ainda tem o serviço braçal de edição, revisão, ilustração, fichamento catalográfico, elaboração de capa, elaboração de vinhetas e código de barras, cálculo da espessura de lombada e dos limites de cortes tipográficos (sangrias, etc.). Escrevinhador sem dinheiro é um factótum, um pau para toda obra! Estou esperando abrir sol, depois desta semana chuvosa, para deflagrar umas incursões por alguns córregos pedregosos daqui da região, com o intuito de fotografar uns seixos de jeito, que hão de servir de modelo ou embrião à tal capa.

      Abraço; j. a.

    • Obrigado, cara Margarida: como  se diz aqui em Minas e em minha terra natal, Goiás: "carro [de bois] apertado é que canta!". Aliás, não é bem um canto o do carro-de-bois: é mais um lamento — e eixos, ensebados e bem arrochados nas rodas de aroeira, "cantam" que dá gosto, nos fazendo pensativos e saudosos de coisas muitas vezes não vividas...

  • Aplausos para uma obra de excelência.

    • Obrigado, cara Márcia.

      E já que toquei no mundo oriental no comentário abaixo, da China, mudo-me para o Japão. É que o clima bem-humorado do poema, parece-me, se coaduna bem com as gravuras daquele clássico ilustrador,  Utagawa Kuniyoshi (1798–1861), tido como precursor dos mangás.

  • Pessoal:

    Ando a prometer a mim mesmo adicionar um pouco de cores vistosas e álacres na minha paleta, a qual tem andado um tanto sorumbática. Eis uma conclamação a essa mudança de temática. Em que pese o tom ligeiramente jocoso (o que foi proposital), é um autoconselho sério, visto que a alacridade da alma é o que muitos chamam filosoficamente de nirvana. É conselho sabido e certo de muitos sábios do passado. Casualmente, após escrever a última frase, estou a me recordar agora de "O sábio jovial", biografia intelectual de Su Tungpo (1037–1101), escrita por Lin Yutang (1895–1976). O modo com que Su Tungpo encarava a vida se encaixa perfeitamente na jovialidade aqui preconizada (também encontradiça nos analectos de Confúcio).

    Abraço; j. a.

     

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