Quando a chuva chegar

Quando a chuva chegar (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

 

                Ainda é final de inverno. Daqui a poucos minutos, a primavera chegará. Com ela, todo o encanto, toda a alegria, toda a festa da bicharada. Grilos cantam para sua entrada triunfal. As cigarras esbanjam seus gritos com muita fartura, zumbindo o ouvido de quem está por perto. Os insetos saem das tocas em busca de algo novo, talvez alguma coisa diferente do longo e temível inverno, onde o frio da madrugada e as nevoas os impediam de passear livremente pela natureza, tornando-os reclusos da finada estação. As formigas iniciam o treinamento e seus poderosos exércitos estão prontos para os ataques às frágeis plantas que retornam do sono profundo da terminada estação.

                No céu, a fumaça das queimadas ainda perambula de canto a canto. Foram vários incêndios que fizeram do ar o mais imperfeito para a respiração. Alguns arbustos estão sem cor. Gramíneas estão secas, pois a geada as torrou por completo. A folha da bananeira está partida entre o verde e o cinza, mas o cacho viçoso da fruta dá sinal para o lavrador que já está na hora da colheita. Algumas unidades já foram bicadas e comidas pelos pássaros, pois a fome os atrai para a deliciosa fruta, com cheiro do doce natural.

                Os galhos das árvores balançam, pois o vento vindo do alto do morro anuncia que algo diferente está para acontecer. Algumas nuvens formam. De início, são fracas, são poucas, são raras. Aos poucos, vão se tornando pesadas e muito negras. O vento sopra mais rápido e com mais força, fazendo os galhos das árvores balançarem mais e com maior intensidade. O passarinho descuidado sofre o impacto da pressão do vento, mas dá a volta e meia, equilibrando no mais perfeito e belo voo. Ligeiramente, busca o abrigo na grande árvore de sucupira lastreada das flores roxas.

                O lavrador aproxima-se da porta da sala de sua casa. A pequenos passos, desliza-se até à mureta da varanda. Tira o chapéu de palha, ainda suado pelo longo dia de trabalho, olhando para o céu e vendo que a chuva chegará a pouco tempo, ergue a mão esquerda para cima como se estivesse conversando com Deus e diz:

                - Senhor, eu lhe peço perdão e lhe agradeço por esta chuva vinda do alto...

                - Quando a chuva cair, ela encherá o açude vazio, quase seco. A bica d’água voltará a fazer o barulho da água caindo no poço. As plantas ficarão felizes e mudarão a cor. Os pássaros cantarão com mais alegria e seus cantos trarão vida e descanso para a minha mente. As flores darão as cores mais lindas da natureza. O ar ficará mais leve e o oxigênio será o melhor. A vida mudará. Eu poderei jogar as sementes na mãe terra e as plantas crescerão e darão os valiosos frutos e alimentos com abundância. O verde mudará a paisagem seca. O gado terá o capim para pastar e não terá fome. Os incêndios não prosseguirão, pois o verde natural não mais dará trégua para a imprudência e a desonestidade do ser humano.

                - Então, Pai de Bondade, eu lhe agradeço por banhar a natureza com a linda chuva.

                Assim que o caboclo abaixa a mão esquerda. Retorna o chapéu de palha para a cabeça. Nos olhos, duas lágrimas correm como a grande enchente que a chuva depositará nos rios. O enorme clarão o assusta momentaneamente. Logo após, o estrondo infernal do trovão é ouvido. Ele, respeitosamente, entra para dentro do lar. Lá, senta-se no grande banco de madeira. Deposita o chapéu na extremidade do assento e escuta os primeiros pingos da chuva caírem sobre o telhado. Aos poucos, os pingos vão aumentando como a cachoeira fazendo o barulho sobre as pedras. Os clarões dos raios vão aumentando e os estrondos são muitos. O vento sopra os galhos das árvores e o barulho é forte. Lá fora, escuta-se a água caindo das telhas e molhando a pequena varanda lastreada de vasos flores.

                Os dois fieis amigos correm para perto do lavrador. São o gato de estimação chamado “Bichano” e o cão pastor alemão por nome de “Peri”. O lavrador pensa na família que está na cidade. Os três filhos e a esposa estão bem. Já foram à escola os filhos e estão todos, incluindo a amada esposa, à janela a contemplarem a chuva abençoada, o presente de Deus para o início da linda e magnífica estação da primavera.

 

 

 

           

 

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José Carlos de Bom Sucesso

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Comentários

  • Boa tarde:

    Bem elaborado texto mostrando a sutileza da nova estação: primavera.

    Para uns a chuva traz esperanças de boas colheitas e para outros as águas turbulentas daquilo que as enchentes trazem.

    Nela e para ela versos encantados, caro José Carlos

    Parabéns

    Abraços

    JC Bridon

  • Gestores

    Como seria bom uma grande chuva. Para limpar a poeira na cidade.

    Para o agricultor uma que permitisse lavrar a terra.

  • Admirável seu texto! A chuva, essa benção, que espera e anseia o sertanejo está vindo e virá para a terra seca molhar e fecundar. Gato e cachorro, companheiros do caboclo ,são testemunhas dessa vida na secura e esperança da chuva. Parabéns

  • Bom dia, poeta. Excelente e proveitoso conto. 1 ab

  • Bom dia, poeta José. Excelente!!! Um belo texto, leitura imperdível.

  • José 

    Temos sorte que mesmo com a ganância  da humanidade,desamor,desabor,desunião, nosso DEUS ainda está  com as mãos abertas para abençoar seu povo

    Parabéns 

    Um abraço 

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