Ternura

Ternura

 

João Pedro, não por ser o responsável pela área de comunicação do gabinete de advogados onde trabalhava, mas sim por se tratar de um jovem educado, afável e, sobretudo isso, consciente e sensível para a rispidez da vida de muitos dos seus semelhantes, sempre que tinha de enviar um mail para alguma das repartições públicas com quem interagia, e na dúvida de quem seria o receptor/a dos mesmos, iniciava as suas mensagens, sempre, da mesma forma:

Exmos(as) Senhores (as):

Foi este seu modo, delicado, de se dirigir aos outros, que fez com que um sonho fosse ganhando força na cabeça de Amélia, a técnica administrativa de um dos tribunais com que João Pedro trocava correspondência digital diária.

Amélia, apesar de ainda ser bastante jovem, tinha um longo historial de sofrimento amoroso, não só tendo a consciência que se casara com um homem que além de não a amar, ainda a sujeitava a humilhações a que muito poucas mulheres se sujeitariam. Não fossem os dois filhos, menores, e as constantes ameaças de morte caso ousasse pensar em separar-se dele, talvez aquele casamento, há muito, já tivesse terminado.

Amélia não culpava ninguém, a não ser a si mesma, por toda aqueles anos de sofrimento, pois não fora à falta de avisos paternos que se deixara levar ao altar sem conhecimento da verdade, António era um mulherengo incorrigível. Nunca, nos quase doze anos de namoro e casamento, soubera o que era, verdadeiramente, um momento de carinho da parte do marido.

Foi esta sensação de falta e o jeito doce de João Pedro, a quem só conhecia através do mail institucional, que a levaram a idealizar como seria o seu interlocutor secreto.

Amélia parecia uma daquelas jovens adolescentes que se deixam apaixonar pelo mais bonito rapaz da sua escola ou do seu 1º emprego, deitava-se ansiosa pelo novo dia e pelos mails do rapaz, eram eles, mais os filhos, que lhe davam forças para continuar a enfrentar os, cada vez mais frequentes, maus modos do marido.

Amélia hesitava entre tentar uma aproximação ao seu amado platónico, sujeita a tudo, inclusive a desilusões, ou deixar que fosse o tempo, ou o destino, como ela tanto gostava de dizer, a resolverem as coisas. Guardado está o bocado para quem tiver de o comer, era uma das suas máximas.

O inevitável tinha de acontecer um dia. Amélia continuava a adormecer a sonhar com João Pedro, sonhava que ele, com umas mãos suaves e uns braços fortes, a abraçava e lhe acariciava os ombros enquanto ficava a vê-la adormecer. Quantas vezes se entregou aos desejos do marido, se é que aquilo eram desejos, a pensar que era a João Pedro que se entregava.

Amélia nunca chegou a conhecer, pessoalmente, João Pedro, visto o jovem ter mudado de emprego, mas foi a pensar nele e em toda a sua delicadeza, que continuou a adormecer envolta em ternura e um dia ganhou coragem para fazer frente ao marido e iniciar uma nova vida.

 

Moral: É na nossa sensibilidade que o outro pode descobrir a Felicidade.

 

Francis D’Homem Martinho

02/11/2019

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Comentários

  • 1739400099?profile=RESIZE_180x180

  • 402558452?profile=RESIZE_710x

  • Estava pensando aqui, quando Amélia resolveu a prestar mais atenção no jeito diferente de se comunicar de João, ainda que por email, foi a porta para a felicidade.

    É preciso se está atento aos detalhes da vida.

    Aplausos!

    • Amiga Edith Lobato, bom dia. Verdade, quantas vezes deixamos fugir a felicidade por não estarmos atentos aos detalhes. Beijinho.

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