Rusga Juvenil
— J. A. Medeiros da Luz
No meu quarto de hotel revejo a cena:
Ora, pois, com que então, minha doçura,
Tu dizes-me, assim, que vais de vez;
E que não voltarás, aqui, jamais?
Não me venhas com essa, Açucena.
Embora, com ser doce a rapadura,
Mole é que ela não é, portanto, vê:
— Tão dura como pedra lá do cais.
Repensa, por favor, a tua ira,
Que não se funda na santa verdade,
Sabe lá Deus somente o seu porquê.
Isso só aumenta, enfim, tua beldade:
Remirares assim é o que retira
O meu sossego — e até o de quem lê.
Ouro Preto, 27 de dezembro de 2021.
[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]
Comentários
Caro Sustelo:
Primeiramente, agradeço-lhe o comentário, desejando-lhe 2022 pleno de saúde e entusiasmo. Com efeito, o padrão de rimas deste exemplar de soneto é um tanto abstruso. É que me é um tanto difícil — casca-grossa e aspirante a enfant terrible de terceira idade! — seguir à risca os ditames das regras canônicas pelo mundo afora. Talvez por isso, embora comumente empregue o decassílabo heroico (com aquela deleitável cesura na sexta sílaba), use tão pouco a rima nos finais dos versos. Mas espero que seja esse um pecadilho que não irá me barrar às portas do nirvana literário, se é que isso realmente exista, em alguma dimensão vaporosa, avessa às desigualdades de oportunidades e às iniquidades imperantes nestas nossas três ou quatro dimensões, através das quais rola cegamente nosso planetinha.
Abraço,
j. a.
Pessoal:
Eis-me cá fazendo o que, usualmente, evito. É que a reverência à pérola da lírica (o por demais famoso soneto) me torna timorato e me trava o estro. E, ainda por cima, no caso presente, sexagenário, a escrevinhar sonetos românticos! É o velho drama do phisique du rôle, contrapondo-se ao psyque du rôle... O ancião quase sempre está a se ver jovem (no seu íntimo), por bisonho que seja, visto o fenômeno exteriormente. Enfim o dito "eu poético" é mais amplo que esses limites taxonômicos; e que isso nos seja a deixa para a justificação dessa pequena peça, algo marota, ambientada num hipotético passado.
Abraço.
j. a.