DESLEMBRANÇAS

 

Tenho  andado esquecido

das coisas simples da vida

Não lembro semanas a fio

De datas de aniversário

Dos meus entes mais queridos

Lugares antes visitados

Livros há pouco lidos

Nome de meus amigos

Até filmes assistidos

 

Uma mente que se esgota

Um presente sem futuro

E agora me roubam o passado

Restando um ente isolado ensimesmado

Com olhar vago e distante

Para um mundo sem coerência

A expressar meu abandono

Solidão, desesperança

 

Talvez não seja de todo

Um desastre, uma hecatombe

Quem sabe perversa ironia

Haverá vantagem nisso

Poder ver filme várias vezes

Sem lembrar de seu enredo

Ou até de como finda

Sentindo a mesma emoção

Renovada a cada sessão

 

Ler belos romances de amor

Ou uma antologia poética

Sem lembrar que já foram lidos

Cultuados e apreciados

Com os amigos discutidos

Hoje inteiramente esquecidos

 

Espero poder suportar

O fardo do alheamento

A crueldade do destino

E que venha a ter belos sonhos

Com a memória ainda viva

E reviva os mágicos momentos

Que passei  com meus amigos

 

Só mais uma coisa desejo

Que o tempo inexorável

Mercê, talvez, quem sabe

Da piedade de um mago

Encurte o meu padecer

E que a perda de memória

Não me torne um ser largado

Um corpo vivo sem alma

Um triste espectro de vida

Sem motivos pra continuar

A minha triste jornada

F J TÁVORA

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Comentários

  • Poesia linda sobre penoso tema... o mal de Alzheimer é cruel e rouba todas as nossas memórias... destrói nosso HD, inviabiliza o funcionamento.e o resgate de nossos arquivos... nos torna arquivos mortos... não sei não... talvez seja melhor morrer por inteiro...

    vim te ler. Bjs

  • Certa vez li um texto em que um homem tinha sua esposa internada num hospital, ela não lembrava de nada da vida e nem dos que com ela conviveram.

    Todos os dias às 16 horas, ele ia visitá-la. Certo dia, encontrou uma conhecida que leh disse: não sei porque o senhor aind avai visitá-la, ela nem sabe quem é o senhor, ao que ele respondeu: ela não sabe quem eu sou, mas eu sei quem ela é.

    É preciso amar de verdade para cuidar de quem, por motivo de doença esqueceu de quem somos.

    Excelente.

  • Sabe, Távora, uma vez, conversando com um geriatra que tinha uma clínica para idosos, ele me disse que os velhinhos não sofriam porque estavam alienados da vida... mas os parentes próximo envolvidos, sim, por não entenderem nem aceitarem o vazio em que os seus entes queridos tinham se transformado. De qualquer forma é triste... e teu poema triste é lindo e melancólico... Boa tarde, Poeta!

  • Um lindo poema expressando uma coisa tão triste como é alzaimer. Emocionante, Francisco!

  • Uma poesia que noe encanta com tanta beleza, comovente

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