Em uma manhã de novembro, o sol já dançava em tons dourados no céu, como se celebrasse uma data especial. As ruas da cidade se coloriam de alegria, resistência e história. Era o Dia da Consciência Negra, um marco que convidava cada um a refletir sobre o peso e a glória de uma luta secular.
No coração de uma praça, Vovó Chica, com seus 92 anos de sabedoria, sentava-se em um banco de madeira desgastado. O lenço colorido que adornava sua cabeça era um símbolo de sua ancestralidade africana, e suas mãos enrugadas carregavam o legado de quem plantou raízes profundas, mesmo em solo árido. Ao seu redor, crianças correndo, adolescentes fazendo selfies diante de murais vibrantes e músicos que dedilhavam atabaques e tambores.
"Negra é minha pele, mas também minha alma", começou Vovó Chica, atraindo a atenção de quem passava. Com a voz firme, ela contava histórias de seus avós, que foram escravizados, mas não deixaram que suas mentes fossem acorrentadas. "Meu avô, um homem de olhos brilhantes, era contador de histórias. Ele dizia que as palavras eram como sementes: plantadas com cuidado, podiam crescer e transformar mundos."
Ao longo da praça, barracas exibiam artesanatos, livros de autores negros, e pratos típicos que perfumavam o ar com aromas de dendê, pimenta e temperos que carregavam séculos de memória. Cada objeto e sabor era um tributo à resiliência de um povo que nunca deixou de acreditar no futuro, mesmo quando o presente parecia impossível de suportar.
No palco principal, uma jovem poetisa, Helena, declamava seus versos:
"Quem disse que eu não posso ser o que eu quiser?
Na cor da minha pele há um universo inteiro,
Histórias que o tempo tentou apagar,
Mas que eu ressuscito em cada passo, em cada respirar."
As palavras de Helena ressoavam como tambores em um quilombo. Era impossível não se emocionar. Entre lágrimas e aplausos, uma jovem chamada Maria Flor, aproximou-se de Vovó Chica,"Eu quero aprender, quero saber mais sobre a nossa história", disse ela.
Vovó Chica sorriu, com os olhos marejados. "Nossa história, minha filha, não está só nos livros, mas nos seus cachos que se rebelam contra o padrão, na sua voz que se ergue diante da injustiça, no seu coração que bate com a força dos que vieram antes de nós. Você é a história viva."
Naquele dia, cada pessoa na praça parecia carregar um brilho especial. O orgulho negro era mais do que palavras ou celebrações. Era a compreensão de que cada conquista, cada sorriso, cada passo dado em direção ao futuro carregava o peso de gerações que resistiram, sonharam e venceram.
Enquanto o sol se punha, pintando o céu em tons de vermelho e laranja, Vovó Chica olhou ao redor e sussurrou para si mesma: "Que os nossos nunca se esqueçam: somos feitos de luta, mas também de amor. Somos feitos de resistência, mas também de sonhos. Somos feitos de tudo o que faz a humanidade valer a pena."
O Dia da Consciência Negra era mais do que uma data. Era um convite para lembrar, celebrar e continuar.
Helena Bernardes
Madrugada de 20 nov, 2024
Comentários
Ave cronista! Tua cronica foi lida e relida, aqui, com o esmero com que se lê os grandes escritores. 1 ab
Um texto?
Não!
Eu diria uma belíssima
e verdadeira crônica sutilmente ativista,
simplesmente, homenageando o dia da consciência negra.
Encantado, eu vejo numa mata,
num sítio, ou em qualquer lugar, uma artífice que desenha
qualquer tema na ponta da sua pena.
Sua simplicidade me encanta e a beleza emoldura sua arte.
Portanto, sou seu fã.
Parabéns! 👋🏿👋🏿👋🏿👋🏿👋🏿👋🏿.
Um beijo de reverência.
#JoaoCarreiraPoeta.