Existirá uma saudade diferente? Uma saudade que não causa sofrimento, que não desequilibra, não confunda a mente e nem transforme em agonia o sentimento?
Acho que sim... É dela que eu falo somente! A saudade sem par, serena, sem tormento; não é egocêntrica, não é deprimente, nem é a lembrança somente dum momento!
Não traz a saudade mundana da paixão, do desejo, que tudo leva de roldão... É bem outro o cantar que nestes versos ponho!
A saudade que eu canto não é de pessoa! É do lugar onde minha alma sempre voa, e onde vai a cada noite, em lindo sonho! Nelson de Medeiros
O dia amanhecera sob um azul tão perfeito que parecia ter saído de um sonho, um céu distante das mazelas da terra. Uma brisa suave e perfumada, como há muito não se sentia, trazia aromas de plagas desconhecidas, enquanto a montanha, ao longe, erguia-se em um tom de azul escuro, criando um "ton sur ton" que transformava a paisagem em um cenário de conto de fadas.
Era um sábado frio e Adamastor saiu para caminhar. Sujeito simples, de hábitos rotineiros, e que ainda acreditava no amor, e nas pessoas. Por ser metido a poeta, pensou em escrever sobre aquela manhã, talvez um poema sobre amor e dor, mas desistiu, achando o tema muito comum, muito clichê.
Logo ganhou a Avenida. Já de algum tempo trazia na mente uma imagem que se acostumara a ver. Na verdade uma fotografia que, embora não lhe tivesse sido ofertada, era de certa forma do domínio público, pois que fora a própria dona que a postara na rede social, muito embora não fosse ela nenhuma celebridade.
Mas, diga-se a, bem da verdade, que aquela jovem de beleza singular o fascinava. Sua foto revelava, para ele, uma personalidade singular, e Adamastor, um sonhador, romântico inveterado, que valorizava mais o espírito que a matéria, se via consumido por um mistério. Delicioso mistério.
Jamais sentira algo tão forte por alguém que só conhecia por uma imagem, e pela voz, que bem poderia ser a de Calíope, a musa grega, que o tocara profundamente. Era uma doçura firme e vibrante que ele nunca havia escutado.
De repente se deu conta de que passara a pensar nela ao mesmo tempo em que admirava e a colocava, inconscientemente, como moradora da paisagem que se descortinara naquele dia. Achava estranho, muito embora ele acreditasse em vidas passadas e encontros repentinos onde essas simpatias ou antipatias, ora para o bem, ora para o mal, ocorressem, com frequência, na vida de toda gente. Mas, era intrigante este caso, diferente, pois que tal empatia se dera sem qualquer encontro presencial entre ambos.
—Seria, então, isso o que os poetas chamam de amor platônico? —pensou.
É verdade que já havia se apaixonado por sua professora de inglês nos tempos de colégio. Mas também é verdade que a via quase todos os dias na sala de aula. Aquilo, porém, era diferente. Já não era mais colegial, e a vida lhe ensinara muito desde então.
Sem rumo definido, entrou em um shopping e decidiu tomar o café da manhã — algo pouco comum em sua rotina. Sentou-se à mesa de uma cafeteria de aspecto acolhedor e convidativo. Pouca gente circulava àquela hora.
Mal havia se acomodado quando levou um susto — embora todos o sejam, este era único. Bem perto dele, a figura de uma mulher lhe roubou o fôlego.
Jovem, talvez nem nos quarenta ainda, era a própria imagem — sua imagem — só que viva, real, elegante. A mesma beleza invulgar estava ali, à sua frente, a não mais que dois metros de distância.
Ela mantinha os olhos fixos em um livro aberto sobre a mesa, mas ele não teve dúvidas. Era o mesmo olhar da fotografia. Os mesmos cabelos, meio compridos, castanho-escuros. Meio incrédulo apurava sua vista dirigida a ela.
Porém, sentindo aquele olhar fixo e penetrante, ela parou de ler. Adamastor, totalmente sem noção, só percebeu sua atitude indelicada quando a moça, entre curiosa e receosa, talvez para tomar pé da situação, perguntou-lhe:
— Você é advogado?
Adamastor caiu em si. A voz, embora suave, definitivamente não era a mesma que ele se acostumara a ouvir da jovem da fotografia. Mas, vendo que a moça folheava um exemplar da Constituição Brasileira, ele, que era de fato e de direito advogado, tentou disfarçar:
— Sim, e penso que nos conhecemos de alguma audiência, não?
Ele achou que tivesse se saído bem, mas ela respondeu:
— Acho que não, pois não sou advogada. Apenas estudo isso aqui por necessidade de concurso, e não estou entendendo nada.
Apesar do começo desajeitado, a conversa fluiu naturalmente. Adamastor dedicou um mês a explicar a ela o que sabia, e o tempo voou. Depois que ela foi aprovada no concurso e se mudou para o Distrito Federal, a conversa se esvaneceu. Mil quilômetros são demais, até para a internet.
Mas Adamastor nunca se esqueceu daquela fotografia. Sempre que passa por aquela Avenida, ele volta os olhos para dentro e finge que, naquele dia, ele e a dona da foto realmente estiveram juntos, em uma manhã esplendorosa, sentados naquele café do shopping.
Imagina o cheiro do café recém passado, o som abafado dos passos no piso encerado, e o riso dela — que ele nunca ouviu, mas inventou tantas vezes que já parece real.
Na memória, ela segura a xícara com leveza, comenta algo sobre o livro que está lendo, e olha para ele com aquele mesmo olhar da imagem. É um instante que nunca teve com Marilia — a jovem da foto— mas que insiste em existir.
Você acredita em amores que atravessam vidas?
Em “A Casa da Rua de Trás”, Nelson de Medeiros nos conduz por um conto delicado e profundo sobre sonhos, saudade e a eternidade da alma.
Cláudio nunca conheceu Marina — mas ela o visita todas as noites, à
Saiba mais…
A aurora, tímida e pálida, mal tocava o céu cinzento quando Ana Maria e Cláudio se sentaram lado a lado, diante da fogueira que crepitava no quintal — ou no que um dia fora quintal.
A casa de Ana Maria era quase uma lembrança: metade erguida como um suspiro teimoso, metade caída como um sonho esquecido, espalhada pelo chão em estilhaços de tempo.As chamas dançavam com o vento, lançando sombras vacilantes sobre rostos jovens — rostos que jamais viram um mundo sem ruínas, sem o perfume áspero da ferrugem e da fuligem.
A cidade onde viviam — um emaranhado de concreto e metal retorcido, ainda assim a mais habitada da Terra — abrigava um milhão de almas, pulsando sob um silêncio espesso, quase sagrado. Ana Maria e Cláudio não eram apenas sobreviventes: eram centelhas de esperança, fragmentos de memória. Dois terços de um futuro por inventar, um terço de um passado apagado, como páginas queimadas de um livro que o tempo se esqueceu de ler. Ana fitou a brasa que estalava. Sua voz veio baixa, como o crepúsculo: lenta, morna, quase ausente — como se falasse não com palavras, mas com o peso do que nunca se diz:
— Vovó dizia que o céu deles era azul. Azul, Cláudio... você consegue imaginar? Um azul limpo — sem fumaça, sem fuligem — onde as estrelas brilhavam como olhos abertos no escuro. Estrelas que já não vemos, apagadas pela névoa que cobre tudo.
— E o mar... — Interrompeu Ana Maria, com os olhos perdidos no horizonte, como se buscasse enxergar além das ruínas. — Ela falava que era uma imensidão líquida, que se estendia até onde a vista se perdia. E que a luz elétrica clareava as cidades, fazendo parecer que as estrelas haviam caído na Terra, só para morar entre nós.
— O que é luz elétrica? — perguntou ele, com a curiosidade pesando como sempre, como uma mochila cheia de perguntas que ninguém mais sabia responder.
— Não sei ao certo. A vovó dizia que era um poder vindo de longe, de lugares que já não existem. Que eles a usavam para criar o dia dentro da noite... e para fazer as máquinas falarem, como se tivessem alma.
Ana Maria olhou para a brasa, os olhos refletindo o fogo, e murmurou:
— Onde está todo esse poder, Cláudio?
O vento soprou, como se escutasse. E a resposta veio como um sussurro antigo, carregado de fé e memória:
— Aqui, Ana. Nos contos dos nossos avós. Nas memórias das igrejas que as guerras não destruíram. A vovó dizia que, depois das grandes sombras, o amor há de criar, no mundo inteiro, a verdadeira cristandade.
Silenciaram. As chamas dançavam como espíritos antigos.
Então, uma luz suave — quase imperceptível — começou a emanar do solo à frente deles.
Não era luz elétrica, mas uma claridade cálida e viva, como se brotasse da própria Terra. A luz se expandiu, e em sua esteira, a grama moribunda começou a se tingir de verde — vibrante, pulsante, cheio de vida.
Os jovens se entreolharam, perplexos. A luz prosseguiu, e aos seus pés, uma flor desabrochou: uma tulipa branca, imaculada. A terra, antes cinzenta, agora brilhava em tons de esperança.
Eles se deram as mãos. Aquilo não era apenas luz — era vida. Era o amor encarnado em cor, em renascimento, em um mundo que havia esquecido como brilhar.
A voz da fogueira, agora mais forte, sussurrou: — Esperem, confiantes, pela alvorada luminosa que se aproxima...
Os dois se ajoelharam, tocando a nova grama e a tulipa que nascia. Não compreendiam, mas sentiam. A luz elétrica fora invenção dos homens.
Mas aquela luz — aquela que brotava da terra — era promessa. Era profecia. Era o novo começo. A alvorada não vinha do sol, mas da fé. E o mundo inteiro começava a se curar ali, naquele pequeno quintal. A luz, enfim, era uma oração atendida.
Me perguntas o que é ser poeta... Ser poeta é ser, nesta vida, um perfeito esteta do amor — a mais singular das artes— Ser poeta é viver num mundo real de fantasia, onde, num instante mágico, a alma se extasia em nuanças sutis de mil contrastes!
Ser poeta é ter a ventura de ver além do véu... É sentir, dentro d'alma, o que existe entre a terra e o céu e poder expressar, em poucas linhas, uma estranha saudade! Ser poeta é viajar no tempo, sempre rumo norte, transpor, emocionado, o limiar da morte e voltar sentindo Deus e a eternidade!
Ser poeta é sentir da rosa murcha o perfume, é ver beleza e claridade no negrume de uma noite em tempestade! Ser poeta é transformar amargura em fortaleza, é pintar um mundo de certeza numa tela colorida de saudade!
Ah! Quem me dera poder poetizar! Dizer na terra, no céu e no mar, de um amor sem par neste mundo! Ah! Quem me dera poder poetizar! dizer deste mundo, distante a brilhar, onde mora este amor tão profundo!
O mundo mergulhava em sua maior crise sanitária desde os tempos da gripe espanhola, que, entre 1918 e 1919, devastou nações e ceifou milhões de vidas. Cem anos depois, uma nova pandemia espalhava-se de forma silenciosa e implacável, confinando pessoas, silenciando ruas e despertando fantasmas antigos.
No auge dessa nova peste, Plínio Marques refugiou-se em seu chalé, situado na parte montanhosa da cidade. Advogado de profissão, cultivava dois hobbies: escrever romances místicos e compor poesias. Ali, recluso e distante do burburinho urbano, buscava escapar da ameaça invisível. A solidão não lhe era estranha, mas agora parecia mais densa, mais presente, como se atuasse diretamente em seu espírito.
Com praticamente tudo parado, todas as manhãs ele se sentava diante da janela de seu escritório, de onde a vista se abria para as serras azuladas no horizonte. Entre a névoa tênue e o brilho tímido do sol, erguia-se uma pequena cordilheira - a mesma que guardava, como um segredo antigo, o rancho onde vivera um amor que o tempo não apagara. Com os olhos perdidos na paisagem e o coração preso às lembranças, Plínio deixava que seus versos escorressem pela tela do laptop, como se enviasse mensagens para aquele amor distante. A serra era sua companhia mais fiel, testemunha silenciosa de saudades que insistiam em florescer. Essa rotina o acompanhava havia alguns anos.
Naquela manhã de primavera, porém, algo estava diferente. Sobre a escrivaninha, entre papéis amarelados e livros gastos, repousava uma única flor de jasmim, fresca, recém-colhida. Plínio não a havia colocado ali. E ninguém mais, supunha, poderia ter entrado.
Levantou-se devagar, o coração pulsando com uma inquietação antiga, como se o tempo voltasse a soprar lembranças pelas frestas da alma. Abriu a porta e olhou em volta. O jardim parecia o mesmo: sereno, imóvel. Mas havia pegadas leves sobre a areia branca que contornava os canteiros, como se alguém, ou algo, tivesse passado por ali antes do nascer do sol. Plínio sempre tivera uma queda pelo etéreo. Às vezes escutava vozes, era até meio vidente. E sempre que coisas assim aconteciam, lembrava-se de Maria Isabel, a moça do Rancho Azul. Voltou para dentro e folheou um caderno antigo, de capa gasta, onde peças jurídicas se misturavam a poemas rabiscados.
Suspirou. A lembrança dela era viva, mas difusa, como a névoa que se erguia nas encostas da serra ao amanhecer. Já não sabia se Isabel existira de fato ou se fora apenas invenção de sua juventude poética.
Como fazia todas as manhãs, saiu para respirar o ar puro da montanha. Mas algo o deteve: uma trilha de pegadas leves marcava a terra úmida, partindo da janela do chalé em direção à pequena mata, mais adiante. Ao segui-las, deparou-se com uma clareira. No centro, uma pedra antiga coberta por musgo exibia uma inscrição recente: “Aqui repousa o amor que nunca partiu.”
Ele nunca a havia notado antes, embora conhecesse cada curva daquelas montanhas como a palma da mão.
Curioso, aproximou-se da pedra. Ao tocar sua superfície fria, uma brisa repentina soprou, trazendo consigo uma flor que pousou suavemente sobre o musgo.
Recuou, com o coração disparado. E então, diante de seus olhos, a pedra brilhou por um instante, revelando, em meio à luz, a silhueta de uma mulher envolta em véus esvoaçantes, segurando uma flor de jasmim branca.
Ela não disse nada, mas seus olhos diziam tudo: dor, saudade e uma urgência que transcendia o mundo dos vivos. Plínio sorriu - não com tristeza, mas com gratidão. Sentia que Isabel não estava presa ao passado, nem perdida entre véus. Ela estava ali, viva em cada verso, em cada flor, em cada raio de sol.
Naquela noite, escreveu como nunca antes. Não sobre saudade, mas sobre reencontro. Não sobre ausência, mas sobre presença. E, ao terminar, percebeu que a flor de jasmim sobre a escrivaninha não estava apenas fresca, estava plantada num pequeno vaso, com raízes firmes.
Desde então, Plínio seguiu escrevendo poemas para ela. Não mais guiado pela dor ou pela saudade, mas pela certeza de que alguns amores não precisam ser vistos para serem sentidos. E que, mesmo em tempos sombrios, há luz suficiente para florescer, porque o amor verdadeiro não se perde, ele se transforma em poesia.
P.S. Trata-se de um livro que, graças a nossa querida amiga Márcia, talvez eu posso publicar. Por isso, aceitamos todo tipo de críticae ensinamento.
Mais uma vez eu te encontro e te abraço; é primavera e de novo eu te enlaço, e a lembrança ressurge no caminho! Relembro, na noite estrelada, o lume dos teus olhos, e sinto o teu perfume nos lençóis que deixei em desalinho!
Sem versos pra dizer tanta saudade, faltam palavras de amor e verdade pra eu cantar as notas da magia! Por isso é que me calo, sem ação, e, só ouço o que diz meu coração, pois, reencontrei a minha poesia!
Sozinho no meu canto - o abrigo do pensar, a luz do meu silêncio, acende-me a memória; refém dos sentimentos, deixo-me levar, e volto atrás, no tempo, em doce trajetória!
Revejo a infância livre, o céu a me olhar, o bairro pequenino, a rua simplória, o cheiro da manhã, a brisa a me tocar, e, todo o esplendor daquela doce história!
Meu platônico amor, embora de verdade, - De corpo desenhado em forma escultural- dos olhos cor do mar, cheirava primavera!
Ela foi meu poema primeiro, a deidade de um paraíso que a saudade revela, e, na idade serena, um refúgio real!
A primavera de 1824 parecia ter sido tirada de um conto de fadas e na capital provinciana, as carruagens ressoavam nas pedras das ruas. Virgínia, criatura de modos delicados e espírito reservado, carregava uma timidez tão singular que não parecia simples medo social, mas sim, uma verdadeira muralha que ela erguera a sua volta.
Ela sabia afastar os demais com uma gentileza tão sutil, que ninguém ousava transpor o espaço que a separava do bulício mundano. Era como uma sombra ao sol, visível, porém intocável. Um poema que se lia com os olhos, mas que só o coração podia compreender; e mesmo assim, jamais por inteiro.
Todas as quintas-feiras, calçava suas luvas, sempre brancas, e carregando um leque como mandava o costume, entrava no Café Literário da Avenida Imperial. Ali, entre as doze e as dezesseis horas, sentava-se à mesa do canto, que lhe era reservada, com esmero, por um criado de confiança, que já conhecia seus hábitos.
Sentava-se com discrição, abria um livro que sempre trazia consigo e, quando o relógio da torre marcava três horas, tomava seu café acompanhado por uma fatia de um bolo de chocolate com recheio de damasco, especialidade antiga da casa. Depois, partia em silêncio, como quem se despede do mundo sem jamais tê-lo conhecido, de verdade.
Do outro lado da rua, na Livraria do Sr. Baptista, trabalhava Tiago, rapaz de semblante igualmente tímido, afeito às letras e aos silêncios. Admirava Virgínia com respeito e ternura, observando-lhe o porte esguio, o olhar doce e o caminhar que lhe despertava uma empatia muda.
Parecia que entre ambos havia uma linguagem secreta, feita de suspiros e páginas que esperavam ser escritas. Trocavam olhares, sem saber os nomes um do outro. Mas sabiam que havia algo ali, um elo impalpável entre os dois, que nunca se falaram, mas se olhavam como se falassem por telepatia. Sentiam, ambos, que algo poderoso os impedia de proximidade. A cena se repetiu por muito tempo.
Um dia, ele decidiu romper o silêncio. Numa quinta-feira levou uma rosa branca, símbolo da pureza, que via nela, e a deixou sobre a mesa onde ela costumava sentar. Queria que a flor falasse por ele, sem a presença que, talvez, a intimidasse, e sem o olhar que cobrasse respostas que eles não tinham.
Virginia chegou na hora de sempre, viu a rosa. Não procurou quem a deixou. Na verdade, ela sabia. Apenas fechou o livro e olhou para o céu, como quem agradece pela resposta de que seu amor é correspondido.
Nos dias seguintes, as flores se tornaram ritual. Brancas, silenciosas, constantes como um gesto que não pede retorno. Virginia as levava, e nada dizia, mas continuavam se olhando como quem deseja dizer algo, mas é proibido.
Até que numa tarde de céu limpo, ela saiu levando a rosa branca e nunca mais se teve notícias dela. A ampulheta do tempo girou, e duzentos anos se passaram.
Era a primavera de 2024, agora. Onde, antes, se erguia o Café Literário da Avenida Imperial, ficava a Bristol Confeitaria e Cafeteria, em nada lembrando o que fora há dois séculos atrás. Tudo era um shopping de vidro e concreto, pulsando com luzes artificiais e burburinhos que se misturavam. A Avenida Imperial agora só podia ser vista nos livros de história.
Maria Isabel adentrou no shopping, como fazia todas as tardes, depois das quinze horas. Ela era encantada por aquele espaço, sem saber por quê. Sentou-se à mesa, que correspondia, mais ou menos, a entrada do antigo Café Literário.
Miguel, jovem de olhar sereno, afeito às letras e aos silêncios, que se encontrava na Bristol pela primeira vez, imediatamente sentiu por ela, uma ternura singular, como se a conhecesse de um sonho antigo, ou de uma página que já havia lido sem saber quando.
Então, uma força estranha tomou-lhe a direção, e sem hesitação, se aproximou dela. “- Você sempre vem sempre aqui?” - Perguntou, com um sorriso tímido, mas coma certeza no fundo da alma que não seria mal recebido. E, não foi. O Dejavu foi recíproco.
Maria Isabel olhou para ele como quem reconhece uma voz antes mesmo de ouvi-la. “- Desde que me entendo por gente”, respondeu.
E conversaram. Sobre livros, sobre cafés, sobre o tempo que parecia dobrar-se ao redor deles, e sobre a rosa branca que enfeitava as mesas do local.
Galante, Miguel pegou a rosa e lhe entregou, o que era a finalidade daquele enfeite nas mesas. Finalmente Miguel conseguiu fazer o que não conseguiu fazer há dois séculos atrás.
“- O tempo não nos pertence”, disse ele, “e ainda assim, tudo o que vivemos está guardado num lugar onde ele é sempre o agora.