Posts de pedro antonio avellar (98)

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Dia chuvoso

Dia chuvoso

 

O dia chuvoso lembra-me a despedida:

Era tempo de partir, de ganhar a vida,

Que o futuro estava mais além...

E, ao canto caipira do sertão,

Na voz de Tonico e Tinoco,

“saí tocando viola

Pela estrada afora

Como ninguém...”

Mas, crede, me doía o coração,

Que eu disfarçava o sufoco,

A angústia de outrora,

E dela eu me fazia refém...

 

E levou-me o trem de ferro resfolegante.

Em um quê de perda e esperança

Disse adeus à vida de criança -

O nariz colado à tosca janela.

E a vida seguiu. Com erro e acerto,

E riso e choro em terra distante.

E agora, bate-me a chuva na vidraça,

Em tão melancólico concerto,

Ou uma esmaecida aquarela,

Que deixa o entardecer sem graça.

Ah, quanto eu quisera, Deus bondoso,

Voltar à infância - ser criança de novo!

 

pedro avellar - 21.dez. 2022

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Soneto para Nina

Soneto para Nina

 

Se por ti, Nina, não me apaixonara,

Mesmo que muitas vidas tivera,

A mim, viver seria apenas quimera:

Nem o simples respirar me bastara.

 

E a te contemplar, altiva e serena,

Tão resoluta, mas dócil e sincera,

Ah, meu Deus, eu me satisfizera:

Só em ver-te, a vida valeria a pena.

 

Mas a ti obsecro tua complacência,

Que tanta felicidade não mereço:

De pensar em perder-te, empalideço...

 

Ai, e me foge então a eloquência...

Por isso, súplice, te rogo, Nina:

Volve-me teu olhar que me fascina!

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Um sonho

Um sonho

 

Sonhei que velejava

(era mesmo um sonho,

Que não conheço o mar,

Senão um pedaço de praia).

Mas, em sendo sonho,

Tanto me comprazia

Com o vento que acudia

As brancas velas de cambraia.

E meu barco, todo ufano,

Singrava as águas, a valsear...

Ah.. diante de mim o infinito

E o céu azul, e todo esse mar,

- Senti-me abençoado, bendito!

 

pedroavellar – 14.11.2022

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Poeira Primaveril

Poeira Primaveril

 

Poeira é terra enxuta,

É pó que se desloca do chão

E voa na imensidão.

É o sinal sem cores da luta

Que se vê no suor da labuta.

Poeira é o nascer da vida

Na cidade, na serra, no sertão.

Poeira é o repouso da lida,

E se torna o destino fatal

Da criatura que respira,

Que nasce, e vive, e expira...

Poeira é pó, é cinza, é sal;

É repouso do corpo cansado,

Em mineral transformado.

É adubo da planta, da flor,

Do inverno à primavera,

Da natureza que se esmera

Nas graças do Criador!

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Instantes

Plagiamos?

Sim, eu creio -

Que nada criamos,

Assim receio,

Pois só copiamos

Um pouquinho

Da emoção

E cada anseio,

Talvez um carinho,

Ou dor, ou paixão

De todo vivente

Que, nalgum momento,

Partilhou emoções

Em louvor ou lamento:

E esse instante,

Feliz ou pungente,

Se fez fulgurante

Aos nossos corações!

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Súplica

­Súplica

 

- Já vais?

- Sim...

- Mas, tu sais

Assim,

sem sequer um afago,

Um gesto de amor,

Uma flor,

Um carinho?

Não vês que me embriago,

Quando sais de mansinho,

Com esse ar cansado?

Então não sentiste

Que também ando triste,

E que teu silêncio eu choro,

Quando estás ao meu lado?

Ah, mas se a sorte existe -

Eu te suplico, te imploro:

Não me dês esse castigo.

Livra-me desse sofrer -

Vamos sonhar no entardecer,

Não te vás, fica comigo!

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A Feijoada da Mali

A feijoada da Mali

 

A amiga Mali me convidou

Pra uma feijoada. Eu vou!

A feijoada é bem assim -

Vou te dar a receitinha:

É feijão preto e um porquinho

Em partes cortadinho.

Pode ser carne magrinha,

Ou mais forte, se preferes,

Acrescendo um toicinho.

Ah, mas vejo que tu queres

O famoso torresminho

E, claro, aquela pimentinha...

Mas, veja lá, não exagera -

Então, é bom ter uma farinha

E couve cozida bem cortadinha.

Agora, queres mesmo complicar?

Tudo bem, então, o que esperas?

Acresce uma fatal caipirinha,

Ou fica mesmo na cervejinha...

Bem... eu já deixo Birigui

E corro pra feijoada da Mali!

 

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Despolarização

Despolarização

 

E me diz um amigo zeloso:

- O mundo anda turbulento -

Por que tua neutralidade?

E lhe respondo, todo jeitoso:

- não voejo ao sabor do vento,

eis que aprendi com a idade

que me basta muito pouco

e não sou líder de ninguém.

Para que tanta rivalidade,

Que mais deixa o mundo louco

Nesse insano vai e vem?

 

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Compartilhamento

Compartilhamento

 

Quão graciosa maravilha

Que se compartilha...

­Queria ter flores assim –

Tão primaveris:

Rosas, petúnias, talvez um jasmim,

De cores e perfumes gentis.

É a natureza que brilha...

Ah, que pena, suspiro por fim,

Se nem tenho um jardim?

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Desdêmona

Desdêmona

 

Ah, Desdêmona. Que ama, suplica e chora.

Tu só querias a metade de uma hora:

“- Half an hour! ... while I say one prayer”!

Sim, para rezar. Era o quanto te bastara,

Mas não se viu atendido o justo brado

E não rezas, o que mais te faz padecer.

Quão triste. É o mouro Otelo, teu amado,

Que por incauto ciúme se viu dominado,

Quem te cala e te veda a derradeira prece.

Oh, Emilia bendita, se pouco antes chegara...

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Lua vaidosa

Lua vaidosa

 

É o arrebol. Esvai-se a tarde...

Se achega o fim do dia;

O sol alaranjado esmaece!

Mas é preciso que se vá,

Que se finde, que escureça,

Para surgir, vaidoso, brilhante,

Nas montanhas ou no mar,

Lá no longínquo horizonte,

O lindo e misterioso luar.

E reina. A noite é só sua!

Cruza os céus em fantasia,

Acalenta sonhos, que a lua

É tema que inspira poesia.

Mas, antes que o sol desponte,

Ela se vai, então pressurosa.

E agora, tímida, se esconde,

Como um botão de rosa,

Quando o sol volta a brilhar.

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Cena de cinema

Cena de cinema

 

O sol estava a surgir.

Destravei a taramela,

E abri a tosca janela

Do quarto de dormir.

Porque sabia que ela,

Tão meiga, tão bela,

Em minutos passaria

Pela calçada singela

Da humilde viela,

Onde então eu vivia.

 

Agora, quanto suspiro:

Foi sim atrevimento

O que fiz no momento.

E ainda hoje transpiro,

Sem nenhum lamento,

Sincero era meu intento.

Corajoso, chamei: Nina!

-Sou o Pedro, me apresento,

A ti eu me acorrento:

Casas comigo, menina?

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Sofrimento

 

Sofrimento

 

A dor fez arder as retinas

E a visão se conturbou,

Avermelhada, doída,

Com a areia aos olhos trazida

Pelo vendaval que aportou.

Que sejam, então, partículas finas

E silentes escorram, lacrimosas,

Porque dos olhos as meninas,

Antes tão cristalinas,

Andam agora chorosas.

 

 

 

pedroavellar

um mês sem a Brendinha...

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A música não tem pátria

 A música não tem pátria

 

A arte, a música em particular, não tem pátria. Ainda que às vezes, se preste a patriotismos.

Quando criança, eu pouco entendia de música e o que gostava de ouvir (e vez ou outra cantar) se inseria no meio sacro e litúrgico dos tempos de coroinha e seminarista. Mas, aos doze ou treze, interno no Seminário da Pedrinha, encravado em serras e riachos que nada deviam em beleza aos prados e montanhas austríacas, a música foi se apoderando de mim.

Com diversidade de instrumentos disponíveis, tentei aprender alguns, mas parece-me que a coordenação motora não ajudava. E desisti, o que foi bom porque passei a privilegiar a escuta – simplesmente ouvi-las – as músicas, em contemplação que me transportava a terras bucólicas, ao paraíso.

Tanto que muita vez me vi advertido pelo Irmão Ladislau ou pelo Padre Furlani para retornar à realidade. Mas acredito que tenha sido um deles que condescendeu com esse meu enlevo musical e punha a tocar na vitrola os vinis de música clássica, ainda os de 78 rotações, imagino. Então, ouvi certa vez o “Concerto para Piano nº 1, Opus 23”, de Tchaikovsky, obra que se aproxima dos 150 anos.

Boquiaberto, olhos fechados, meus tímpanos acolheram em festa a abertura solene das trompas severas, a anunciarem o piano, para o qual se compôs, afinal, a composição. E despontavam vibrantes os tons e as notas rígidas do piano, se entrelaçando com as suaves, tentando abeirar-se da calmaria nos prados de riachos e pastoreio. Sem êxito, que a vida é luta e os tons mais encorpados melhor a representam.

Assim, sob comando do piano, a orquestra retomava os acordes com força total, demonstrando vitalidade e a resiliência humana. Tudo isso me seduziu de tal forma que ainda o tenho – o Concerto para Piano nª 1, como minha música de referência no meu viver. O qual, depois dos Seminários da Pedrinha e Aparecida, vagou por endereços incertos e mares tempestuosos, perdendo-se e se reencontrando ao sabor da sorte ou das agruras da existência.

Como de certa forma foi o que ocorreu com o compositor russo. Que escreveu a obra-prima para o amigo pianista Nikolay Rubinstein reger em Moscou, eis que retratava a alma russa. Desgostou-se, que Rubinstein achou a peça banal e intocável e exigiu que Tchaikovsky a revisasse.

Perdeu o amigo e o bonde, que o compositor se aborreceu e a música acabou sendo dedicada ao maestro alemão Hans Von Bullow e estreou justamente nos Estados Unidos. Ironia, não?

A “alma musical russa” se viu lançada e acolhida na nação americana. Com um detalhe: Tchaikovsky, para compor a música imortal, inspirou-se num camponês da Ucrânia, quando esteve em Kiev. Viram? A música não tem mesmo pátria. Não se compraz com guerras. É universal. É de quem tem os ouvidos atentos e o coração aberto!

 

 

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