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O Reveillon de Alexandre - Crônica

O Reveillon de Alexandre

 

Não levo jeito para as crônicas vespertinas – seara em que sou aprendiz.

Mas há menos de meia hora, conheci o Alexandre, esse moço da foto que envio em anexo, e tinha que contar essa historinha aqui. Fui retirar a encomenda de sushis feita para a neta Marina, eis que ainda não aprendi a apreciar a iguaria oriental.

Ruas de Birigui já quase desertas e pelo caminho avistei o referido moço, ainda jovem, caminhando bem devagar pela calçada, com aparência de estar embriagado. Parecia mesmo necessitado e hesitei se parava e dava alguns trocados para ele ou coisa assim. Mas a pressa do réveillon falou mais alto e segui adiante.

Retirei os sushis – 50 reais, 20 unidades – e tomei o rumo de casa. Mas estava incomodado, claro. Só podia ser pela parada que não fiz, pelo moço em andrajos que não ajudei. E pensei: Birigui é cidade pequena e pelo caminhar do andarilho não devia estar longe. Com efeito, em menos de 5 minutos consegui avistá-lo e parei o carro bem ao lado dele. Que me olhou assim aturdido e me pediu uma moeda. Desci do carro e lhe adiantei:

- ‘Vou te ajudar, mas queria falar um pouquinho com você.’ Entreguei-lhe 40 reais, que era o que eu tinha no momento. Ele pareceu espantado e me garantiu que não gastaria em bebida. E conversamos mesmo. Soube que se chama Alexandre. Não posso dizer que estava embriagado, que não percebi o odor característico. Falava arrastado e disse que não tem casa e nem parentes e sequer soube, ou quis dizer, a própria idade e de onde vinha. Não tem “ponto fixo” para dormir, esclareceu, mas costuma ser nesse bairro onde a gente estava. – ‘Na rodoviária’, acresceu, ‘não dá pra dormir que tem um guarda que me expulsa’.

Pediu-me alguma roupa e sapato e prometi levar isso para ele em um próximo dia. E Alexandre se foi, arrastando os pés. Um senhor idoso, morador desse local, olhava-me um tanto perplexo, parecendo não entender nada daquela cena. Entrei no meu carro e segui adiante, ponderando que é bem mais simples a gente socorrer crianças e idosos em situação de vulnerabilidade.

‘A gente se afasta ou evita pessoas como Alexandre’, pensei. E então me dei conta de que Alexandre não me deixara referências bastantes para encontrá-lo novamente e lhe levar roupas e sapatos, como prometi. Bem – como já disse – Birigui é uma cidade relativamente pequena e o bairro em que o encontrei bem menor ainda. Nalgum dia desses, saio à tardinha, quase ao escurecer, a perambular ou circular pelas ruas e é bem possível que eu reencontre Alexandre.

Espero que hoje, ao menos, ele se alimente um pouco melhor e ache um cantinho acolhedor para dormir, que tem chovido muito nesses dias aqui na terrinha.

Boa noite e Feliz Ano Novo, amigos da CPP.

 

 

pedroavellar 31/12/2021 – 19.15 horas9972100264?profile=RESIZE_710x

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Lamento - Por uma criança afegã

Lamento – Por uma criança afegã

 

Você sofreu e revidou. Se vingou.

Voou alto, com seu invencível arsenal

E ao longínquo destino chegou.

Não precisou desalojar inimigos

Que não os havia, só um povo cansado

E crianças descalças famintas;

As bombas revelaram-se inúteis,

Mesmo nas montanhas encavernadas

Ou nos desertos esburacados -

O fanático guerreiro cruel se ocultou,

E nas cidades você então se alojou.

Bebeu, comeu... Tudo você explorou

E já não tinha inimigo a derrotar,

Nem recurso que aproveitar...

Então você se cansou. Desistiu.

Partiu pra casa em desabalada carreira,

Apesar do seu invencível arsenal.

Abandonou o mesmo povo cansado

E abriu as portas ao inimigo andrajoso e ousado.

Mas – num último e insano gesto de império,

Lançou-lhe  estridente e sibilante artefato –

E uma criança faminta, inocente,

Então atingida - morreu!

 

 

pedro avellar

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Minha lida

Minha lida

 

Tem dia em que me perco, sofro tanto,

E assim, nesse pungente vai e vem,

Toco a vida, tão árdua, seco o pranto,

Tentando, sim, sorrir, quando convém...

 

Na lida, inda que sofra a todo instante,

Eu sigo a caminhar, esperançoso,

A lutar e sonhar, não obstante,

Que me venha um porvir mais venturoso.

 

Mas vos peço, meu Deus, Senhor bondoso,

Que perdoeis, então, meu egoísmo,

E me ajudeis também a ser zeloso;

 

Que eu sirva, que eu socorra o irmão carente,

Livrai-me, pois, meu Deus, do comodismo,

Dai-me força, Senhor, sede clemente!

 

pedroavellar

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Invocação da chuva ao céu

 

 

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Invocação da chuva ao céu

 

Aflito pela falta de chuva e pela seca dos rios

Indagou-me um amigo se há no céu um santo

Encarregado de nos mandar  chuva. Respondi:

- Sim, é São Pedro, chaveiro e santo porteiro,

É seu mister abrir portas e comportas do céu.

- Mas, note, a coisa não anda bem: Por engano,

Lá entrou um advogado que instigou o santo.

Desde então anda este deveras aborrecido

E ao Criador reclama, pois há dois mil anos

O mister exerce sem perceber os encargos

E extras e descansos semanais remunerados.

Mas quem julga a demanda é o Pai Altíssimo,

E enquanto essa pendenga não se ajeita

As portas das águas permanecem fechadas.

- Contudo, não se desespere, há alternativa

Nos santos das causas urgentes e impossíveis:

Invoque São Judas Tadeu, que tudo resolve,

Ou Santa Rita de Cássia – que nos livra da peste

Ou, então, Santa Filomena, mártir aos treze anos...

 Ah – tens pressa? Então é com Santo Expedito!

 

pedro avellar – setembro 2021

 

 

 

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Respirar é preciso!

Respirar é preciso!

 

 

Não é  pretensão a despedida,

A menos me leve de vez a vida

Para um etéreo sítio sonhado,

Onde só a alma tem guarida.

Mas, que digo? – Pura fantasia!

- Sobrevivo, deixo o tempo escoar...

A pandemia não me levou o ser -

Ainda resiste a matéria

E o espírito em pungente miséria -

Mas pôs fim à inspiração!

 

Por mais me pulse o coração

E se esforce a massa pensante

Ou me enterneça cada emoção,

Minha escrita se faz artificial:

Suplica vocábulo ao dicionário.

Falta-me a arte, o dom, criação...

Aquietar-me-ei. Vou ficar por aqui

A pensar feridas não cicatrizadas,

Suspiros e intenções reprimidas,

Projetos abortados, miragens.

 

Sinto-me triste, me envolve o pesar,

Não pela tímida imaginação

E acanhado, fugaz talento.

Mas pelo mal tenebroso

Que o destino nos reservou.

E então, como posso fazer poesia

Sem engenho, em meio ao lamento,

Nesse mundo sem bondade,

Nessa seara de injustiça,

Nesse lamaçal de iniquidade?

 

Mas... que tola pretensão me envolvia?

Não aspirava narrar proezas,

Nem feitos grandiosos, poemas eloquentes.

A natureza prossegue bela,

Sol e luar ainda se revezam

E a noite no céu de estrelas

Ainda faz a gente sonhar!

E assopra o vento nas palmeiras

Rangem os bambuzais

Na chuva torrencial...

 

Bastava-me o sorriso de uma criança

Narrado em palavras soltas,

Ainda que sem floreios, singelas.

Mas – ilusão – crianças ainda nascem famintas:

Não lhes sacia o mirrado néctar materno.

E crescem sem sonhos, desamparadas,

E se tornam desiludidas...

E o que mais vejo, senão promessas,

É só desamparo, é só ilusão...

Como, indago de novo, fazer poesia?

 

pedro avellar

setembro - 2020

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O Espírito do Bem

O Espírito do Bem

 

- Ouça-me, diz num sussurro o Espírito do Bem,

- Por que se curva a tamanha aflição?

Então me reclino. E miro o infinito, o além,

Indeciso, confuso, em dolorida inquietação.

 

E evoco, tão vago, o tempo da liberdade

Inda recente e que perambula, distante.

A que veio, pois, tão funesta maldade,

Esse tormento mórbido, alucinante?

 

- Ande, retorna o Espírito, cálido, consolador,

- O sofrer, meu caro, creia, será passageiro,

Há de vir a derrotá-lo de novo o Redentor.

 

Levante-se, pois, dissipe da mente o nevoeiro

Precisam de você - dos desvalidos Defensor:

Nessa lida e sempre sou seu companheiro!

 

 

pedro avellar

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Vida desprotegida

Vida desprotegida

 

E chega a hora da partida!

É preciso. Estou de saída:

Vou pra rua desconhecida

Enfrentar perigo, a fronte erguida

E a mente atrevida,

A cada alegria ou ferida

Da existência nessa corrida.

Fica comigo, em cálida torcida,

Me socorra na lida,

Se a dor retida

Se tornar por demais doída...

 

pedro avellar

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São Almas, Senhor! São Almas.

Era chegado de novo o fim do ano,

Natal e comércio e badalação,

Despedida desse lapso insano,

E augúrios festivos da multidão.

 

Mas dessa vez com fatal diferença -

A João o fim igualmente chegou.

A contragosto, pedindo licença,

Ao porteiro do céu se apresentou:

 

- Exulta, João,  que principia a vida,

Foste bom; ao pobre deste guarida;

- Tens direito a um pedido ao Criador.

 

- Grato, Senhor, salvai a humanidade.

Dai-lhe Ano Novo feliz de verdade:

São as almas que criastes, Senhor!

 

 

 PedroAvellar – dezembro 2019

 

 

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