Tinha tido um longo dia,
O trabalho me assoberbou,
Fazer comer, não me apetecia,
Aproveitei o que sobrou.
*
Restou da noite anterior,
Na consoada do Natal,
E como era um dia de amor,
Ninguém me levou a mal.
*
Bacalhau cozido com todos,
Todos, são os legumes, as batatas,
Os ovos cozidos, sem cascas.
*
Mas o que havia, não chegava
Lembrei-me da minha avó Luzia,
Que tão bem se desenrascava.
*
Desfiei o bacalhau em lascas,
As batatas parti às rodelas,
Os legumes, e os ovos ficaram na caixa,
Para no fim, se esfregarem com elas.
*
Num tacho largo de zinco,
Soquei cinco dentes de alho,
Uma malga de azeite, bem fino.
*
Em cima de lume brando,
Até o alho, alourar na fervura,
Coloquei as sobras, pensando,
Só no fim, coloco a verdura.
*
Bati seis ovos inteiros,
Misturei com grande pujança,
Uma ervas do meu canteiro,
Estava pronto para encher a pança.
*
Decorei, como me deu na mona,
Uma salsinha fresca, caiu bem,
Não esquecendo da azeitona,
Do lagar da minha Mãe.
*
Cristina Ivens Duarte-24-11-2016
Cozinhar é o mais privado e arriscado ato,
Descobrem-se relações, entre os alimentos,
O sexo mantido, entre a faca e o garfo,
E o grito, que a boca dá, com os movimentos.
*
Cozinhar, é um modo de amar os outros,
Na panela se verte, o ódio, ou a ternura,
E na arte, se vai conhecendo aos poucos,
Quem ferve, em muita, ou pouca gordura.
*
O alimento necessita de paparicos,
Festinhas na cabeça, do alho francês,
Beijinhos, para evitar os salpicos,
Um "I LOVE YOU", de molho inglês.
*
Cozinhar, é como doar um coração,
Envolvido, num potente vinagrete,
Pisar o bicho, que está entre o feijão,
E a pedra, para não lascar o dente.
*
Para tal, não importa ser míope,
Basta apenas, uma pitada de alma,
Ter sempre à mão, um frasco de ketchup,
E a acidez, de um bom óleo de palma.
*
Engana-se aquele, que é mestre na cozinha,
Só porque sabe, afiar uma faca,
Uma espinha, por mais pequenina,
Quando se engole, por vezes também mata.
*
Cristina Ivens-23-11-2016
Tão perto estás de mim, nesta hora, e, no entanto, há um abismo entre nós dois, muralhas de pedra e de vidro erguidas pelo tempo imbatível.
Porque tinha de acontecer em minha vida agora, e, justamente contigo, com quem me deixei envelhecer, ficando à mercê dos mais dolorosos castigos.
Sinto o toque da tua mão ao passar, tão leve, tão rápido, tal que ninguém mais suspeite do meu credo, e, beijo-a sofregamente, na loucura de a agarrar até à próxima estação, em que o tempo pára.
Encaro esse momento, como um anoitecer a invadir-me as artérias, e os martelos nos ouvidos a baterem, ao som das nossas loucuras.
Ah!eu não quero este amor insano, ter de viver diariamente, o inferno das esperanças mortas, caminhar sobre linhas mal traçadas, carregar o peso das flores esmorecidas, até ao cemitério dos prazeres.
Queira Deus que consigas, arrombar o portão do paraíso, brindar ao que eu nesta vida, insisti na procura, o bebericar do amor, em pequenas partículas.
*
Cristina Maria Ivens-12/11/2016
Os traços daquela boca,
Que me beijou tanta vez,
Ouvi-lhe tantos segredos.
.........
E tanta palavra louca,
Em tanta jura que fez,
É tão meiga apetitosa.
.......
Tão formosa, sedutora,
Cheia de perfume e cor,
É a boca mais mimosa,
Mas a mais enganadora.
........
A trocar beijos d’amor,
Não há boca mais travessa,
Provocante, sorridente.
........
E atraente, não há,
Como eu quem a conheça,
Sabe que essa boca mente.
........
Em cada beijo que dá.
Encantadora sensível,
Quando não beija revela.
.......
A forma dum coração,
Até parece impossível,
Que uma boca como aquela,
Não saiba dizer perdão.
........
Cristina Maria Ivens-8-11-2016
As folhas estavam caídas,
Como se as árvores estivessem a morrer,
No chão, sinais de lágrimas esvaídas,
Como se do céu, quisessem chover.
.........
Fui devagar, muito devagarinho,
Como quem não quer a coisa,
Tal e qual, como um passarinho,
Que no ramo da árvore, poisa.
..........
Senti um ligeiro abanão,
Parecia o vento a sacudir-me,
Era uma árvore, a dizer-me que não,
Que não queria, sequer sentir-me.
.........
Então, dei um saltinho de pardal,
E voei até outra primavera,
Atravessei todo aquele temporal,
Avistei alguém à minha espera.
.........
A tarde estava soalheira,
Do alto de um raminho,
Vi uma linda amendoeira,
Bem no meio do caminho.
.......
Como se ela me chamasse,
Embora eu não visse ninguém,
Pediu-me que eu poisasse,
Queria sentir o peso de alguém.
..........
Cristina Maria Ivens-7-11-2016
Em tempos andei perdida,
Num labirinto de letrinhas,
Sem saber o que fazer da vida,
Só com palavras minhas.
.......
Não encontrando a saída,
Segui a voz de um profeta,
De uma forma tão gemida,
Levou-me à casa do poeta.
.......
Fiquei encantada com o porteiro,
Era grisalho e meio careca,
Tinha a alma de cozinheiro,
Era apelidado de "Zeca".
......
Logo então recebi um convite,
Para entrar e me sentir bem,
Por uma musa de nome "Edith,"
Tão bela como a minha Mãe.
......
Havia quartos para toda a gente,
Arrumadinhos pela "Marsoalex,"
Uma governanta de antigamente,
Que gostava do brilho... feito pirex.
......
Uma corujinha, chamada Angélica,
Do meu quarto, nunca mais saiu,
Com a sua visão periférica...
Em mim, uma poeta viu.
......
Bem longe da minha mira,
Entre protões e iões...
Trabalhava a menina "Safira,"
Fazendo as formatações.
......
E lá morava também um senhor,
Que se chamava, "Adriano Vox,"
Se não me engano, era o doutor,
Que nos enchia de botox..
......
Havia uma alma viajante,
Com o lindo nome de "Marcos Mollica"
Que me aparecia de rompante,
Para me fazer uma visita.
......
O senhor "Sam" era o entrevistador,
Adorava conversar connosco,
Tinha um coração cheio de amor,
Que nos tirava do desgosto.
......
Bem perto da minha fronteira,
Está minha amada "Nieves,"
Logo pela manhã, sou a primeira,
A saudá-la, com palavras breves.
......
Logo depois entrou "Jesús,"
Um novo mordomo espanholado,
Tão pesada era a sua cruz,
Foi-se embora o pobre coitado.
......
A gerência daquela casa,
Mostrava alguma deficiência,
Tinha ferrugem na ponta asa,
Estava prestes a abrir falência.
......
Um anúncio na internet,
Era a única solução,
Contratar um jet set,
Para acabar com a confusão.
......
Um jovem de grande talento,
Com carisma de poeta,
Foi a solução do momento,
Entrou na hora certa.
......
Então, de uma forma doce,
Quebrou todo o trago a azedo,
Discretamente, apresentou-se,
"Eu sou Luciano Azevedo."
......
Cristina Ivens Duarte-4/11/2016
Pela janela mal fechada,
Perto da hora do cansaço,
Irrompeu-se a madrugada,
Em anéis de fumo baço.
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Manteve a posse, o mesmo olhar,
Como os dias, que vagueiam,
E os seus olhos a gravar,
Os meus sonhos, que passeiam.
.......
Na sua voz trazia,
A beleza do amanhecer,
Adivinhando que nesse dia,
Lindas estrelas, iriam chover.
.......
Foi uma noite sem sono,
A esperança, ela trazia,
Não me quis ao abandono,
Entrou, e disse-me bom dia.
.......
As mãos, e o olhar da mesma cor,
Rosas, como a roupa que trazia,
Num gesto, que parecia ser de amor,
Sorria, e ao partir agradecia.
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Seu rosto rosado, sua razão,
Do irromper pela manhã,
O se perder na ilusão,
Do sol a bater no divã.
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Cristina Maria Ivens-31-10-2016
Ás vezes a vida, parece um nada,
Uma miragem, voltada para o céu,
Depois...aparece uma fada,
Com um olhar doce, de mel.
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Deitada sob um tecto luminoso,
Com os reflexos ondulantes das águas,
Ela torna o inverno choroso,
Em ternas rosas rasas.
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Como duas pessoas, que se amam tanto,
E que se olham na mesma direcção,
Ah! ela tira a dor... todo pranto,
Preenche de amor o nosso coração.
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Até nos pode dar outro amor,
Deixar de pensar em mais nada,
Envolver-nos com tamanho furor,
Com as asas de uma fada.
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Dá vontade de ir ter com ela,
Permanecer lá, para sempre,
Como uma estrela amarela,
Amarrada com uma corrente.
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Ser a sua eterna escrava,
Com argolas em tom dourado,
Presa a uma roseira brava,
Rodeada de pétalas, por todo lado.
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Cristina Maria Ivens-27-10-2016
Saí um dia, para caminhar,
Soltar o meu sangue das veias,
Não vi alma viva a passar,
Pus-me a falar com as areias.
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Sussurram baixinho,
Para que eu me despisse,
Que seu pó era fininho,
Faziam que ninguém me visse.
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Achei uma ideia louca mas,
Só estava eu mais o deserto,
Então tirei a roupa,
Deixei-o boca e aberto.
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Deitei-me com a dunas,
Em mim, começaram a mexer,
Como se fossem agulhas,
O meu corpo queriam coser.
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Rolei nelas, como uma pena,
Senti os meus seios a voar,
A minha alma ficou serena,
Tranquila por sonhar.
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O peito até sangrava,
Com a erosão do areal,
O fluido que me molhava,
Me tornava imortal.
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Era areia na boca...
Da cabeça até aos pés,
Que ideia tão louca,
De não saber quem tu és.
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Cristina Maria Ivens-26-10-2016