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9 semanas de ficção

                                 PARTE IV

                                  Confissão

          Era uma vez dois apaixonados que estavam se preparando para a lua de mel e, enquanto aguardavam a hora da viagem, ele pediu para ela contar a sua história.

          - Você quer que eu conte toda a minha vida?

          - Quero que você fale dos seus amores. Conte para mim tudo. Quero saber, também, dos seus sonhos que você não conseguiu realizar.

          - Então vamos por etapa. Primeiro, vou falar dos meus amores, mas você não vai ficar com ciúmes?                                                                                          

          - Talvez. Mesmo assim, quero saber.

          - O  meu  primeiro  amor  começou  quando   iniciei   o ensino médio, mas era uma paixão secreta, só eu sabia, pois não contei a ninguém.

          - Nem ele sabia?

          - Não! Ele era o garoto mais bonito do colégio, por isso não cheguei a me declarar.

          - Então, a beleza atrapalhou?

          - Não foi bem isso. Na verdade, eu me sentia inferior na aparência. Acreditava que só as mais bonitas poderiam dar em cima dele. Mas, depois, soube que a primeira menina que ele namorou era mais feia que eu.

          - Você se considera feia?

          - Naquela época, sim. Pelo menos, não me achava no mesmo nível.

          - Essa paixão durou quanto tempo?

          - Uns três anos...

          - Não acredito!

          - Verdade. Naquela época, não  queria  saber  de  outro. Vivia apenas para estudar e ficar apreciando aquela beleza. Apesar dele nunca ter percebido, eu me sentia  uma  menina dependente. Vivia procurando desculpas para estar sempre por perto, mesmo quando ele não percebia a minha presença. O importante era ter o privilégio de poder ficar apreciando o bonitão da escola.

          - Ele era tão bonito mesmo? Ou um rapaz simpático?

          - Além de bonito, era simpático e lindo. Era também charmoso e tinha um olhar penetrante. Mas, era uma pena, pois quase não me olhava. No entanto, quando me encarava, sentia-me totalmente possuída. Como se o olhar dele tivesse o poder de invadir toda a minha privacidade.

          - Como você conseguiu esquecê-lo?

          - Aconteceu uma bobagem, mas foi o suficiente para eu desistir. Cheguei cedo, muito antes de a aula começar, e fiquei conversando com uma amiga. Ele chegou de mãos dadas com uma aluna da nossa turma, e ela disse: “Quero apresentar a vocês o meu namorado! Não é lindo?” - Foi o bastante para eu me levantar e sair batendo os pés. Depois disso, não quis mais nem olhar para ele.                                                                                              

          - Quem mais você desejou?

          - Você! – disse sorrindo.                                                                                    

          - Fala sério. Eu quero saber dos teus namoros antigos.

          - Depois dele, comecei a idealizar um homem que não fosse tão bonito, mas capaz de me deixar saudosa, que me provocasse o suficiente para eu sonhar com o “Cupido”. Queria um homem maduro, bastante experiente para ensinar-me a amar. Que fosse como um professor de amor.

          - Encontrou o tal mestre de amor?

          - Naquela época, não. Mas agora encontrei você, o meu professor de amor. Tudo que eu aprendi, em relação ao amor, foi você quem me ensinou...

          Ele agradeceu e perguntou dos sonhos.

          - Tinha dois desejos, e não realizei nenhum. Primeiro, foi quando sonhei me casando com um rapaz mais novo que eu, mas isso não aconteceu. O outro sonho foi morar na Suíça, mas também não deu certo.

          - Por que na Suíça?                                                                                               

          - Porque sempre sonhei em viver em um lugar tranquilo e seguro. O que mais você quer saber?

          - De um sonho que você conseguiu realizar...

          - De me casar com você! Isso acabou de acontecer...                                                                                       

          - Sim! Eu sei! Quero saber se foi só esse o sonho realizado.                                                                                                                                                                                                                        - Sim. E o que mais? 

          - Das promessas...

          - A primeira vez que nós namoramos, prometi a mim mesma que, se você voltasse, não ia mais te aceitar, mas quando você pediu para voltar, não pude dizer não.

          - Por quê?

          - Porque você me domina...

          - Ok. Vamos pular esta parte. Fale-me das tuas tristezas.

          - Eu tive um período de depressão horrível. Vivia triste e   nem  eu  sabia  o   porquê.  Quantas  vezes  eu  mesma  me tranquei em meu quarto para ficar o dia todo chorando...

          - Por quê?

          - Naquela época eu tinha desejos impossíveis, do tipo desejar que você fosse mais novo que eu. Como isso era impossível, pois não tinha como mudar a tua idade, eu sofria em vão, pois isso não era motivo para eu ficar sofrendo. E chorava feito criança e ninguém  percebia,  pois ficava muito tempo trancada no meu quarto.

          - Você chegou a considerar isso como um erro?

          - Sim! Também acho que eu era muito imatura, mas o maior erro foi te mandar embora por causa de ciúmes inúteis. – e começou a chorar.

          Ele a beijou, enxugou as lágrimas e disse:

          - Eu quero ser sempre aquele com quem você sonhou.

          Ela encostou-se ao ombro dele sem nenhum receio, como uma aproximação sem remorsos, e ele, com a voz carinhosa, disse:

          - Eu sempre te quis, mesmo quando você me  mandava embora. Podia até procurar outra alegando que você não era mais uma menina pura, mas eu não estava amando uma garota perfeita. Sabia que você não era santa, mas eu sempre quis apenas você...

          - Tive muitos amores. Tive sonhos difíceis, mas a única promessa que eu nunca cumpri foi quando eu disse que não ia mais te aceitar de volta. Chorei muito sozinha. Hoje estou aqui, sem rancor, para te dizer que você é a pessoa que eu tanto amo, por isso você é o único que ficou...                                                                                           

          - Vamos, está na hora da nossa viagem de lua de mel...

          Roger Dageerre.

 

 

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9 semanas de ficção

                                PARTE V

                        O músico e a equilibrista

       Era uma vez uma jovem de 30 anos que conhecia todas as capitais do Brasil porque morava e trabalhava num circo como equilibrista. Quando o circo foi se apresentar na cidade maravilhosa, Amanda ficou passeando no calçadão de Copacabana, Rio de Janeiro. Já quase ao meio dia, Amanda encontrou um bêbado deitado ao chão. Ela tentou falar com ele, mas o bêbado não respondeu, pois estava num estado de embriaguez total. Amanda solicitou ajuda às pessoas que estavam passando e conseguiu levá-lo até onde o circo estava armado. Deram-lhe um banho para tentar  reanimá-lo,  trocaram   as   roupas  pretas  que ele estava usando por umas coloridas do palhaço Tiririca, mas o bêbado Doalfre continuava inconsciente. Por isso, resolveram levá-lo ao hospital. Doalfre foi medicado e ficou em observação até anoitecer. Quando teve alta, Amanda estava na recepção aguardando-o. Ele ficou assustado, pois nem conhecia Amanda. Ela apresentou-se informando que o encontrou no calçadão de Copacabana, levou-o ao circo e depois ao hospital. Doalfre agradeceu e perguntou pelas roupas dele. Amanda disse que estava lá no circo, que depois devolvia, pois tinha mandado lavar.

     - Eu uso roupa preta há mais de vinte anos. – disse Doalfre.

     - Por quê?

     - Porque presenciei o desabamento de um viaduto, a morte de Maria e Clarisse por torturas, e não pude evitar a morte de dois amigos meus. Depois disso, passei a usar roupas pretas representando luto eterno.

     - Então, amanhã você vai ao circo para fazer a troca das roupas e aproveitar para assistir à estreia, Ok?

     - Ok!  Vou  assistir  a  um  espetáculo  que  nunca  vi, nem quando criança.                                                     

      Amanda explicou onde o circo estava armado, entregou-lhe o chapéu e despediu-se de Doalfre, que saiu tentando levantar a cabeça, prometendo aparecer lá no dia seguinte.

       Ela retornou ao circo, pois tinha que dormir cedo para fazer uma boa apresentação na estreia programada para o dia seguinte. Enquanto ela se preparava para dormir, Doalfre, ainda cambaleando com o chapéu coco, caminhava voltando para casa apreciando as nuvens do céu.

       No dia seguinte, Doalfre vestiu-se de preto, tanto a calça como a camisa, e guardou as roupas coloridas para devolver a Amanda. Começou a beber muito cedo, mas não esqueceu que tinha prometido ir ao circo. Ao meio dia, ele pediu à dona do imóvel onde mora para chamá-lo às dezessete horas, e foi dormir. No horário combinado, ela chamou Doalfre, que acordou assustado porque estava sonhando com a volta do seu irmão já falecido. Percebeu que era apenas um sonho, agradeceu e foi se preparar para ir ao circo.

        Tudo pronto para iniciar o espetáculo,  e  Amanda  ficou olhando em todas as direções para ver se olhava Doalfre,  mas tinha muita  gente e ficou difícil localizá-lo no meio da multidão.           

        O espetáculo começou com os palhaços fazendo a garotada sorrir. Depois, foi a vez dos trapezistas que encantaram o público com saltos emocionantes. Em seguida, foi a vez dos malabaristas, um jogando sete garrafas para cima sem deixar cair nenhuma, e o outro arremessando sete argolas, no ritmo da música, sem deixá-las cair. E depois foi o globo da morte, com dois motoqueiros e dois ciclistas rolando em alta velocidade dentro do globo sem se tocarem.

        Uma parada para intervalo, e Amanda aproveitou para procurar Doalfre no meio dos espectadores. Como não conseguiu, chegou a acreditar que ele não estava presente. Guardou as roupas pretas e continuou ajudando na retaguarda até se aproximar a sua vez.

         Doalfre estava na arquibancada e, nas duas vezes em que Amanda apareceu olhando em direção ao público, ele a viu e percebeu que tinha sido socorrido por uma bela mulher.

         A atração  foi  reiniciada com  o domador  fazendo   um espetáculo com animais irracionais. Depois, foi o  palhaço que entrou dizendo:

        “Eu vi um homem nu com a mão no bolso sentado numa pedra redonda feita de madeira quadrada lendo um jornal sem letras no reflexo da lamparina apagada”.

        O público foi ao delírio. Até Doalfre, que estava ali com o intuito de trocar as roupas, deu muitas gargalhadas.

        O palhaço cantou. Depois contou várias piadas e, antes de sair, anunciou a próxima atração:

        - Com você, o espetáculo mais esperado da noite: “Amanda, a equilibrista”!

       Neste momento, Doalfre sentiu o coração acelerar e, de pé, acompanhou os espectadores com aplausos.

        Amanda entrou dançando com uma sombrinha na mão e foi logo subindo uma escada de corda até chegar ao ponto mais alto do circo. Ela estava trajando uma roupa colada que moldava o seu belo corpo. Pisou na corda bamba para testar e recebeu mais aplausos. Abriu a sombrinha e foi dançando na corda  bamba,  demonstrando  muito  equilíbrio  e habilidade. Doalfre não parava de aplaudi-la. Por isso, Amanda percebeu a sua presença e quase se desconcentrou, mas, como tinha todo o domínio na corda, continuou dançando com toda a facilidade, como se estivesse pisando no solo, encerrado o espetáculo sob os aplausos  de  um público  que  reconheceu  sua  apresentação  como uma das mais bonitas do Brasil.

        Amanda desceu e correu para detrás do pano. Os espectadores foram saindo, e o único a permanecer foi Doalfre, que ficou a esperá-la para fazer a troca das roupas. Ela retornou com as vestimentas nas mãos, e ele desceu para um encontro no meio do picadeiro.

        Ela agradeceu a presença dele. E ele fez os maiores elogios que um artista circense pode receber. Fizeram a troca das roupas e permaneceram frente a frente.

        Naquele momento, Amanda perguntou:

        - Qual é a sua profissão?

        - Músico!

        - Qual instrumento você toca?                                                                                     

        - Bateria.

        - Que bom! Agora tenho que ir.

        - Um momento. Quero lhe fazer uma pergunta.

        - Diga!

        - Quer casar comigo?                                                                                                                                                

        Uma  pergunta  que  Amanda  não  esperava,  mas,  ao

perceber que ele estava com bafo de bebida, respondeu:         

            - Só posso me casar com um homem!

            - Não entendi.

            - Se for para eu casar com um músico, eu aceito, mas se for com um bêbado, eu digo não!

            - Por que sim ao músico e não ao bêbado?

            - Porque um músico pode tocar em qualquer lugar, até num  circo,  e  o bêbado,  por mais inteligente que seja, nunca vai fazer um espetáculo que possa agradar a uma mulher, imagine um público...

            Roger Dageerre.

 

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Acróstico clássico

          # Acróstico clássico.

.

Vitória latinizada de Berenice

E também significa trazer

Revelada pela meiguice

Ou pelo corpo do prazer

Não permitindo tolice

Incrementa o jeito de ser

Cativa sem babaquice

Ama como o bem-querer.

.

Mãe de um casal apenas

Adorada como uma Santa

Revelada entra em cena

Toca, e em silêncio canta.

Ingênua de cor morena

Natural que encanta

Salve a mulher serena!

.

          # Roger Dageerre.

 

 

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9 semanas de ficção

                      Do livro “9 semanas de ficção”.

                                       Volume 1               

                                       PARTE IV                                       

 

                                         A dama

 

          Era uma vez uma senhora chamada Adélia, que trabalhava de manicure, casada com Bruno, um operário da construção civil.

          Adélia, uma linda mulher de rosto e de tudo, que não se cuidava, não ia a salão de beleza, dispensava maquiagem, não fazia as unhas, não tinha vaidade. Era uma mulher simples que adorava uma mini blusa e um short curto colado ao corpo, traje suficiente para mostrar que tinha uma cintura fina, pele limpa, pernas grossas e curvas perfeitas de uma mulher bonita de corpo. Era com isso que Bruno não se conformava. Ele preferia que ela usasse roupas discretas para  não chamar muito a atenção, pois, mesmo usando trajes longos e folgados, não ia fazer muita diferença, pois  a beleza dela  dava  para  ser vista mesmo que tivesse o seu corpo todo coberto.

          Bruno frequentava a Boate Verônica todos os sábados. Quase não dançava, mas gostava de tomar uma gelada e de apreciar os casais dançarinos. Nunca levou a sua esposa porque morria de ciúmes. Acreditava que todos iam notar a beleza dela e os homens iam querer dançar com ela agarradinhos.

          Adélia acomodou-se com as atitudes ciumentas do esposo. Procurava sempre mudar de assunto quando ele começava a implicar com as roupas. O problema era quando ele cismava que tinha um homem olhando demasiadamente para ela.

          Até que um dia de domingo, à tarde, Bruno tomou “todas” e, no final do dia, começou a provocar Adélia, que ainda estava trabalhando, fazendo as unhas da última cliente do dia. Mesmo trabalhando em casa, Bruno queria que ela fizesse  uma  pausa  para  trocar  de roupas e depois continuar com o serviço. Ela recusou-se, alegando que não havia  necessidade, pois precisava ficar à vontade e não tinha ninguém estranho: as pessoas presentes eram ele, ela e a cliente antiga. Não adiantou, pois Bruno  estava  decidido  a obrigá-la a mudar de roupa.                         

          Adélia pediu licença à cliente e enfrentou o esposo, dizendo que não ia ceder. Ninguém ia obrigá-la a trocar de roupas. Bruno usou expressão de baixo calão e tentou agredi-la fisicamente. Só não a espancou porque a cliente  posicionou-se entre eles.

          Adélia desabafou dizendo, com as lágrimas no rosto:

          - Não vejo motivo para tanto ciúme. Trabalho em casa. Só tenho cliente do sexo feminino. Vivo eternamente em casa. Você vai ao baile todos os sábados, não me leva, chega bêbado e abusando. E, ao invés de descansar aos domingos, ainda vai “encher a cara” e vem dar uma de machão.   

          Bruno tentou nova agressão, e aí a cliente pediu licença e saiu com as unhas feitas pela metade.

          Neste momento, Adélia  aproveitou  para  completar   o desabafo:                                                                                        

          - Tu estás vendo a consequência? Mais uma cliente que foi embora por tua causa. Mais uma, das tantas, que não vai voltar porque tu vives perturbando.

          -  Sabes  o  que  vou  fazer?  Ficar  sozinha!  Pode   ir embora. A casa agora é só minha. A tua parte, os cinquenta por cento que te pertenciam, foi consumida pela bebida. Você bebeu sozinho. Tudo aqui me pertence. Pegue as tuas roupas, os vasilhames de cerveja que estão espalhados pelo quintal. Vai embora, agora, ou fique sem direito de tomar bebida alcoólica, pois, de agora em diante, quem vai mandar aqui sou eu. Fui clara?

          Bruno pegou uma mala, que era dela, colocou as suas roupas limpas e sujas, quebrou as garrafas vazias e saiu zangado batendo a porta. Adélia juntou os cacos, pôs no lixo, e passou a noite mais maravilhosa de sua vida, pois se sentiu aliviada e acreditou que ia reconquistar todas as clientes e, também, os homens que eram impedidos de frequentar a sua casa por causa do ciumento do seu ex-marido.                                                                                                                                                                                                                                        

          No dia seguinte, Bruno, arrependido, apareceu muito  cedo tentando abrir a porta com a sua chave, mas não conseguiu porque Adélia já tinha mandado trocar a fechadura. Ele bateu várias vezes, cansou de chamar Adélia, depois saiu desiludido. Ela ouviu tudo e ficou quieta para caracterizar que não estava em casa.

          Ao anoitecer, Bruno ligou para dizer que não ia mais incomodá-la. Disse todas as bobagens e desligou. Ela nada disse - só ouviu e agradeceu a Deus mais uma vez.  Naquele      mesmo dia, Adélia foi ao salão de beleza, produziu-se no capricho, depois foi a uma butique e comprou: um vestido longo vermelho, batom vermelho, creme para o corpo, perfume francês, colar, pulseira, brinco de argola e sandálias salto alto. Ela passou a semana toda se preparando física e psicologicamente para ir, pela primeira vez, ao baile na Boate Verônica, pois queria surpreender o seu ex-marido.

          No primeiro sábado após a separação, Adélia vestiu o longo vermelho, passou o batom cor de sangue, pôs o colar, a pulseira, um banho de perfume, calçou salto alto e foi ao baile. Logo que entrou, notou a presença de Bruno; fingiu que não viu, sentou-se à primeira mesa, longe dele e bem próximo  de  um  grande  espelho.  Bruno  chamou  o garçom, pediu mais uma cerveja e, quando foi servido, disse:

          - Olhe pelo espelho, disfarçando, e veja aquela dama de vermelho.

          - Sim! Estou vendo e, por sinal, é muito bonita.

          - Observe que quando ela se levanta, todos ficam animados.

          - Mas, é normal. Toda dama bonita, assim como ela, chama mesmo a atenção.

          - Ela  já  foi minha,  e  o  culpado,  da separação, fui eu.

          - Não acredito! – Duvidou o garçom.

          - Hoje, choro de ciúmes porque não pude me controlar.

          - E ela não para de dançar. Parece até que está sendo disputada.

          - Por favor, garçom, apague a luz, porque não quero que ela veja a minha tristeza.

          - Acredito que não adianta ficar se escondendo.  Se  elajá não mais te pertence, procure esquecê-la, pois vai ter que se acostumar a vê-la dançando nos braços de outro, e ainda tem que disfarçar o ciúme, porque ela tem todo o direito de escolher um novo pretendente para evitar viver novamente com o homem errado e ter que aturá-lo por muito tempo. Todos nós temos o direito de procurar o melhor, com amor, porque, sem ele, a vida não tem graça e a maioria tem que disfarçar, até encontrar o par perfeito para uma dança de satisfação, independente da letra da música Viver bem e ter a oportunidade de possuir o melhor é privilégio de poucos, porque a humanidade vive correndo atrás da matéria, enquanto    o   espírito   fica   desvalorizado   por   falta    de conscientização. E a vida a dois não depende só de amor, pois o desrespeito, a embriaguez e a incompreensão têm influência  na convivência, porque uma pessoa que anuncia que quer ficar bêbada para dormir e não ver outro homem abraçar a sua ex-mulher, é porque fez por merecer e jamais vai ter o perdão dela, e nunca mais vai ser digno de ter, ao seu lado, uma mulher qualquer, imagine uma dama, muito elegante, de vestido vermelho, toda produzida e tão cobiçada por muitos cidadãos...

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Soneto clássico

 

                      ESPETÁCULO

 

A exibição começa no primeiro ato

Os espectadores atentos choram sorrisos

A proibição apressa o mineiro nato

Os atores do elenco adoram risos

 

O espetáculo permanece agradando amores

O produtor luta e evita crítica

O báculo desaparece ensinando atores

O pavor dura na vida triplica

 

A emoção arrepia provocando palmas

O coração precipita-se adorando almas

A paixão recita implorando calma

 

No apura fraude o dono sai

No lustra balde o sono vai

A indústria aplaude e o pano cai.

 

            Roger Dageerre.

            Único soneto clássico com todas as palavras rimando.

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9 semanas de ficção

9 semanas de ficção.

         Volume 1.

                                   PARTE III

                                 Primeiros erros

          Era uma vez um homem que caminhava todas as manhãs e não revelava aonde ia. Simplesmente saía sem avisar e demorava demais para retornar. Nunca dava satisfação, alegando que o seu destino não era de ninguém e que caminhar, para ele, era uma necessidade de sua própria mente. Enquanto andava, fazia higiene mental e só assim conseguia trazer de volta quase todo o seu passado. Eram recordações profundas - conseguia lembrar-se de parte da infância, principalmente quando era uma criança solitária, pois só tinha uma irmã, e morria de inveja de quem tinha amigos. Lembrava-se muito bem de que era o único aluno da turma que fazia o dever de casa sozinho. Todos os outros colegas  se  reuniam, discutiam a matéria  mais  difícil,  e  ele tinha sempre que se virar sozinho.

           Essas lembranças, detalhadas, vinham sempre na hora da caminhada, como se fosse um filme que passou na infância e ficou na mente como pegadas que ficam no chão e ninguém consegue entender, pois quem foi criança, adolescente e agora é adulto, não deveria guardar certas lembranças tristes ou mesmo recordações que ninguém consegue entender como algo bonito que ninguém consegue vê. Assim, fica difícil até para alguém apreciar, com interesse, uma pessoa que vive eternamente caminhando e recusando-se a revelar exatamente aonde vai; que prefere que ninguém saiba mesmo por onde ela anda. É lógico que o normal seria o desejo de ser encontrado, principalmente para completar o outro lado da laranja, pois insistia em sair sozinho.

          Enquanto existem tantas pessoas fazendo questão de andar acompanhadas, ele descartava qualquer possibilidade de caminhar ao lado de alguém. Até a sua primeira namorada ficava surpresa quando ele afirmava que tinha vontade ver o seu corpo virar sol. Até acreditou que era uma ameaça de suicídio, mas, com o passar do tempo, aprendeu que tudo não passava  de  forma  de  expressão, pois ele também  chegou  a      dizer que queria que a  sua  mente  virasse sol.  Tudo não passava de implicância com a chuva, porque                                                                                                  repetia insistentemente que: “o sol não aparece, só chuva, só chuva”. Era irritante quando repetia: “o sol não aparece, só chuva, só chuva”. Sabia que essa irritação era porque, quando chovia, ele ficava impedido de caminhar e, enquanto não andava, não conseguia liberar a imaginação, pois só quando andava o pensamento invadia o seu passado, mas ele não conseguia ver tudo porque o passado dele era como fábulas diversificadas que foram desgastadas pelo tempo e que agora eram difíceis de serem recordadas por inteiro, principalmente chovendo. Assim, tornava-se difícil lembrar-se de tudo porque, na época, não parava de chover e ele precisava caminhar para poder reiniciar as tentativas de lembranças em busca de recordações que, para ele, eram                                                                            de grande valor. Era exigente demais com as suas recordações ao ponto de não perdoar os próprios erros. Queria recordação autêntica, mesmo que tivesse que ser punido por ter cometido falhas, mesmo que os erros não fossem comprometedores, mas tinha que aplicar o castigo de acordo com a gravidade do erro, como quem diz: “eu mereço ser punido”. Mas, para tanto, era preciso lembrar se realmente  cometera  as  falhas  que estava pressentindo. Paratanto, era preciso revirar o seu passado e fazer um esforço para lembrar-se dos primeiros erros; mas  assim,  chovendo, com certeza ele não ia conseguir.

          Depois de tanto reclamar da chuva, resolveu unir-se a ela porque talvez a chuva estivesse lhe poupando uma decepção imensa por um erro infantil que, para os outros, talvez nem fosse necessário ficar recordando, mas para ele tinha grande importância porque precisava manter a sua consciência limpa. Erros de crianças, falhas inocentes cometidas sem maldade. Quem sabe, o fato de não parar de chover fosse para que esses erros, se realmente existiram, não fossem captados pela força do pensamento, que poderia ser usada para as invenções úteis que um dia pudessem salvar vidas inocentes, para a criação de métodos didáticos que pudessem convencer jovens a ouvir os pais, a praticar as experiências da ciência e para seguir o caminho religioso e a descoberta da obediência por vocação, para que o mundo pudesse comemorar sempre...

          De tanto ficar olhando a chuva, recordou que a sua irmã gostava de cantar: “chove chuva, chove sem parar / por favor, chuva ruim / não molhe mais o meu amor assim”. Cantava sempre quando  estava  sem  sono.  Esforçou-se, mas não conseguiu lembrar se ouvia a irmã em silêncio ou se pedia para ela parar.

          Naquele momento, já aceitava a chuva e logo reconheceu que ela é necessária porque traz os benefícios para a vegetação e principalmente para a humanidade.  Também reconheceu que não era bom ficar implicando com a natureza, pois se lembrou das tragédias dos fenômenos que os antigos consideravam como um castigo de Deus. Hoje, a tecnologia já explica tudo, e por isso conformou-se e procurou esquecer a possibilidade de ter mesmo cometido erros, pois o que realmente estava valendo era as suas atitudes atuais, e tinha que comemorar por não ser um hipócrita, porque nunca aprendeu a fingir..

         Roger Dageerre

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9 semanas de ficção

“9 semanas de ficção”.

Volume 1.                              

 

                                  PARTE II

 

                                     Além

 

          Era uma vez um casal que tinha pouco tempo para eles. Na verdade, Antônio e Jane desentendiam-se por banalidades. O estresse do dia a dia era o responsável pela impaciência deles. Dormiam muito tarde e tinham que acordar cedo demais. Trabalhavam na distribuição de jornais e tinham uma revistaria. Por isso, tinham que fazer tudo correndo, e os clientes estavam sempre reclamando por causa da demora na entrega. Dia de domingo, Antônio fazia manutenção dos veículos, e Jane assumia os serviços domésticos porque era o dia de folga da empregada doméstica da residência deles. Um casal que quase não usufruía do amor por falta de tempo.                                                                                                             

Numa segunda-feira, Antônio concluiu as entregas, abandonou o veículo na estrada e saiu caminhando para fugir da agitação e descobrir o que tinha além da linha do horizonte. Esqueceu as obrigações, a família, e saiu andando em frente. Estava decidido a seguir em linha reta, como uma pessoa que caminha sem destino. Mas Antônio pretendia andar para encontrar um lugar em que pudesse viver em paz, sem poluição e sem ambição para aliviar o estresse. Quanto mais Antônio caminhava, tinha a impressão de que o horizonte estava muito mais longe, mas não desistiu e continuou andando sem se preocupar com o que deixou para trás. Enquanto não escureceu, a família de Antônio não se preocupou com ele. Contudo, quando chegou a noite, começaram a procurá-lo e, pelo rastreador, conseguiram localizar o veículo abandonado. Tiveram que esperar o prazo de vinte e quatro horas para registrar o desaparecimento dele, e ficaram tentando encontrá-lo fazendo contato entre parentes e amigos mais próximos.

          Antônio passou a noite quase toda andando e, às quatro horas, levado pelo cansaço, adormeceu.

          Quando o dia amanheceu, ele acordou e surpreendeu-se  com o  cenário à sua frente: uma quantidade  imensa de flores                                                                                              brilhando por causa do reflexo dos raios do sol que estava nascendo refletindo nas águas do rio. Permaneceu deitado no campo. Naquele momento, Antônio não teve tempo nem de lembrar-se de sua família; esqueceu, por alguns instantes, de pensar na rotina. Levantou-se e continuou caminhando sem se preocupar com nada. Já estava com o corpo bronzeado, pois andava de camisa aberta tentando ficar à vontade, usufruindo da liberdade.

          De repente, Antônio lembrou-se de sua esposa Jane, de toda a sua família e da empresa. Por causa disso, chegou à conclusão de que nada ia adiantar alcançar o paraíso existente além do horizonte sozinho. Então tentou usar o telefone para dar notícias, mas percebeu que estava fora de área. Desistiu da ligação, mas reconheceu que viver além do horizonte, sem a sua esposa, não ia valer a pena. Sabia que estava bem longe de alcançar o horizonte, mas se chegasse lá, sem a sua esposa, não ia ter valor. Cansado e faminto, decidiu retornar para convencer Jane a viver com ele no lugar bonito que deve existir além do horizonte, longe do progresso, da civilização e da rotina, pois estava acreditando que lá existe um lugar muito bonito. No entanto, se ela não aceitasse mudar de vida, abandonar a matéria para investir mais  no  espírito, nada  disso  que Antônio  imaginou ia compensar, porque o paraíso                                                                                                sem eles, com certeza, jamais iria ter valor.

          Antônio olhou atentamente o cenário disponível à sua frente, e falou sozinho:

          - Se aqui é bonito, imagine além do horizonte. Com certeza, é o melhor lugar para se viver em paz.

          Olhou para o céu, agradeceu a Deus e deu meia-volta. Caminhou com pressa, porque precisava encontrar a sua esposa Jane e convencê-la a vir com ele para mudarem de vida. Procurou andar com passos rápidos para ganhar tempo, pois caiu em si reconhecendo que precisava fazer contato. Dificilmente alguém ia concordar com ele, pois deixou todos preocupados. Precisava urgentemente, pelo menos, avisar que estava bem. Tentou correr, mas o seu corpo não estava tão bem quanto a sua vontade, porque a decisão de esquecer tudo que construiu ao decorrer de muitos anos, para viver num lugar lindo, com flores, rio com água cristalina, frutos, luz do sol, da lua e das estrelas, não é para qualquer empresário. Tentou contato por telefone novamente, mas continuava sem sinal. Restou-lhe caminhar apressadamente para tranquilizar a sua família o mais rápido possível. Em nenhum momento, enquanto retornava, ousou olhar para trás para rever o cenário bonito e tão desejado que estava ficando para trás.

          Alguns minutos depois, Antônio teve que diminuir os passos por causa do desgaste físico. Já caminhava na base da força de vontade, pois o seu corpo pedia para deitar-se. Naquele momento, percebeu que o seu aparelho celular estava acusando sinal. Rapidamente, fez a ligação à sua esposa:

          - Alô!

          - Alô! Antônio, você está bem?

          - Estou...

          - O que aconteceu? – Perguntou Jane, preocupada.

          - Acho que encontrei um lugar bonito para nós vivermos tranquilos...

          - Não acredito. Você saiu desde ontem, sem avisar, e diz que acha que encontrou um lugar bonito...

- É verdade. Precisamos pensar mais em nós. Não podemos viver só trabalhando, trabalhando, trabalhando...                                                                                   

- Antônio, diga-me onde você está.

          - Estou chegando exatamente ao local onde eu deixei o carro.

          - Ok. Vou me encontrar com você agora. Aguarde-me.

          - Beijos. Estou esperando.

          Jane anunciou que Antônio estava vivo, chamou o motorista e saiu para se encontrar com ele. Parecia que ela estava disposta a brigar, pois precisava desabafar por ter passado a noite toda pensando que tivesse acontecido alguma coisa grave com seu esposo. Mas, no caminho, procurou se acalmar, pois reconheceu muito romantismo quando o seu marido disse que achava que tinha encontrado um lugar bonito para viverem. Jane até pensou nessa possibilidade, mas na opinião dela, primeiro eles tinham que colocar as entregas em dia, resolver todas as reclamações dos clientes, pagar todas as contas pendentes, vender todos os imóveis; aí, sim, poderia pensar em viver deitados no campo para se amarem sem pensar na vida...

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Observando.

Lua insistente.

Ontem fui deitar tarde porque fiquei observando a lua. Pela primeira vez percebi que ela solicitou-me expressão diferente. A lua não queria as palavras que já tinham sido dirigidas a ela. Exigiu algo diferente. No início, achei que não ia conseguir, pois pesquisei em todos os livros didáticos, em todos os meios tecnológicos disponíveis para consultas e não encontrei o que a lua queria. Fácil não era, pois tantos compositores usaram todas as palavras já conhecidas. O maranhense Catulo da Paixão Cearense, até chegou a definir, a dele, como Luar do Sertão. Tantas vezes presenciei centenas de elogios à lua, por isso talvez me tenham faltado palavras adequadas e diferentes para satisfazer a exigência da lua. Por algum momento fiquei sem entender a atitude dela, pois dia doze de julho deste mês, ela estava nova e parecia conformada. Dia dezenove, ela estava crescente e feliz. Ontem, quando ela ficou cheia, não sei como estava se comportando, só hoje, dia 28, notei o pedido dela. Quanto mais eu olhava a lua, ela parecia mais exigente. Então, apelei a quem realmente tinha condições de me ajudar. Ajoelhei-me, fechei os olhos e relatei ao pé da letra a “Oração que o Senhor nos ensinou”. Quando terminei, abri os olhos e ela estava quase toda encoberta pelas nuvens, mas deu para perceber que a lua estava se escondendo, mas antes de sumir por completamente, agradeceu-me. Espero que quando ela voltar minguante dia 04 de agosto, que venha mais tranquila... 28/07/2018.

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9 semanas de ficção

                                  PARTE I

 

                            Azul da cor do mar

 

          Era uma vez um jovem desiludido de nome Canun, que encontrou um velho sentado sozinho ao banco da praça e forçou um diálogo, pois precisava desabafar com alguém para expor a sua indignação.

          - Posso sentar ao seu lado?

          - Claro! – respondeu o velho afastando-se um pouco para aumentar o espaço para o jovem sentar-se à vontade.

          Ao iniciar o diálogo, Canun fez algumas perguntas sobre a vida do velho, e este, percebendo que o jovem estava falando com indignação, perguntou:                                                                                               

          - Por que estás revoltado?

          - Um pouco, pois eu tinha uma namorada que era tudo para mim. – Cabisbaixo, ficou esperando o comentário do   velho,  mas  ele se   limitou  a   ficar   em                                                                                        silêncio.

          Canun levantou a cabeça e continuou falando de sua ex-namorada:

          - Era uma moça exemplar, tipo executivo, tinha uma boa educação, tinha classe, elegância e era muito bonita...

          - Meu filho, acorde! Ela era quase perfeita, mas não te pertencia. Se fosse mesmo tua, não ia embora, não te deixava sozinho. Eu também já perdi uma fêmea, a minha maior paixão. Morreu a minha companheira e eu ainda a amo. Ela era como uma sombra protetora. Quando não estava ao meu lado direito, com certeza estava do outro lado, mas mão me deixava só. Não era forte, mas dividia comigo todo peso, até mesmo o peso da consciência. Quando fiquei cego, ela latiu como se estivesse oferecendo os olhos dela para eu ver. Talvez por isso eu quase não senti falta da visão, porque ela  me  guiava  para  o  caminho  do  bem.  Hoje,   ando   sozinho

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porque ela me  ensinou tanto, que agora já decorei cada buraco e sei exatamente quando devo dobrar o canto da rua, e até aprendi  a  atravessar  a  ponte  sozinho.  Ela  também  me                                                                                         ensinou a lidar com animal feroz...

          - Como?

          - Com carinho! Tratando-o como se eu fosse íntimo. Todo animal tem o coração frágil. Até mesmo os racionais. Um gesto de carinho é o suficiente para domá-lo. Ela me fez acreditar que o cachorro mais bravo é sempre o mais carente. Atirar uma pedra não é a forma correta, pois todo bicho aceita a atitude cordial e torna-se o seu melhor amigo. Basta você conhecer o limite dele.

          - O senhor tem um cachorro?

          - Não, mas tive Madaugon, uma cadela bonita e inteligente.

          - O que significa “madaugon”?

          - No idioma Cebuano quer dizer: vitoriosa. Isso      mesmo, uma vitoriosa, o que a minha cadela era...                                                                                                                            

          - Foi ela a fêmea que o senhor perdeu?

          - Sim. Meu maior amor, pois fui abandonado por todos os humanos que fazem parte da minha família.  Ela,                                                                                          a cadela, foi a única a permanecer comigo até morrer. Agora, sim, me sinto sozinho, sem esperança, sem enxergar, e posso dizer que aprendi a amar. No entanto, quem sofre, assim como eu, não pode se entregar. Enquanto vida eu tiver, vou agradecer à minha cadela Madaugon, que foi fiel comigo sempre. Ela foi a razão do meu viver, pois depois que fui esquecido com requintes de sentimento cruel, porque tive esposa que disse que ia fazer uma viagem de férias e nunca mais voltou; filhos que foram cuidar da vida deles, prometendo aparecer uma vez por semana, e não se fizeram presentes nem nas datas comemorativas. Os meus netos telefonam constantemente, mas nunca vieram me ver, e os bisnetos são pequenos demais. Enfim, era para eu ter toda a assistência familiar de que um cego precisa para afastar a doída tristeza, pois a solidão machuca o coração, principalmente vivendo na treva.

          - E os amigos? – perguntou o jovem Canun.                                                                                    

        - Estou esperando até hoje...

          Houve um instante de silêncio e Canun ficou procurando um assunto novo para descontrair:                                                                                        

          - Fale dos seus sonhos...

          - Aprender a nadar era um sonho antigo, e foi ela quem me ajudou a realizar, pois depois que fiquei cego, aprendi a nadar porque fui incentivado pela cadela. Tivemos que atravessar um rio para fugirmos de uns pivetes que fecharam o acesso pela ponte para tomar pedágio.

          - O senhor quis dizer, cobrar?

          - Não! Tomar mesmo. Foi assim que ouvi as pessoas falando. Naquele dia estávamos voltando do banco, onde fomos nos encontrar com o meu procurador. Ele recebeu o valor de minha aposentadoria, pagou as minhas contas e me deu o restante. Ela ficava na porta do banco me aguardando e todo mês íamos comprar remédio de uso contínuo. Na farmácia, Madaugon tinha autorização para entrar. Era tratada como humano. Entrava e ficava ao lado da prateleira onde era estocado o meu remédio. Ficava ali até o vendedor me atender.  Foi  na  volta  que  não  podíamos  passar pela ponte

porque eu tinha que    entregar   todo    o   meu   dinheiro.   A   solução  foi atravessar o rio a nado. Entrei com braçadas rápidas e a cachorra latia tentando cadenciar o ritmo. Demorei a entender, mas quando nadei obedecendo à orientação do latido,  percebi  que  fiquei mais leve, que podia também boiar, que eu não era tão pesado como aparentava. Foi uma competição de respeito, pois nadei como um aprendiz de um coral regido por um maestro inteligente. Logo chegamos do outro lado da margem sãos e salvos, mas molhou tudo. Chegamos molhados, mas chegamos com a mesma satisfação de um soldado que retorna da guerra. Naquele dia, fui direto ao banheiro, mas antes de começar a tomar banho, a cachorra ficou arranhando a porta do banheiro. Aquilo era novidade, pois ela usava sempre o latido para chamar a atenção. Abri a porta e procurei acalmá-la, e foi neste momento que percebi que ela estava tentando me entregar a toalha presa nos dentes, pois eu tinha me esquecido de levar a toalha ao banheiro. Por isso não latiu. Peguei a toalha, agradeci e finalmente fui tomar o meu banho sossegado.

          -  Senhor!  Essa   amizade,   com   tanto   carinho, não despertou comentários maliciosos sobre o senhor e a cachorra?

          - Pelo menos não chegou ao meu conhecimento, mas  com  certeza  eu  não  ia  ligar  porque  entre eu e  ela houve um amor identificado como platônico. Aquele amor sem malícia. E você, qual o sonho que não realizou? – perguntou o velho tentando mudar de assunto.                                                                                       

          - O meu é ser campeão olímpico de natação!

          - Não precisa ser necessariamente campeão. Primeiro, tem que treinar em uma piscina com água azul para se preparar para a competição...

          - Por que com água azul?

          - Porque quando tudo está bem, dizemos que está tudo azul e tudo é maravilhoso quando o azul é da cor do mar...        

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9 semanas de ficção

  Do Livro “9 semanas de ficção”

            Publicado em 12.05.2018.

                            INÍCIO

 

                             Adeus

 

                                               

          Era uma vez o casal Maria e José Pedro, que morava em Imperatriz – Ma. Tinham uma vida normal e tanto amor que dava para fazer inveja. No entanto, num determinado dia, Maria chamou José para conversar:

          - Diga, minha deusa! – Disse José sem imaginar o que sua esposa queria falar.

          - Já temos quase dez anos de casados e não temos nenhum filho...

         – Você nunca quis! – interrompeu José.

         – Isso mesmo, não quis porque sempre achei que esse dia ia chegar...                                                                                                                                          

         – Do que você está falando? – perguntou José,             preocupado.    

         – Quero ir embora! – disse Maria olhando nos olhos de José.

            O ambiente ficou monótono e José teve que conter as lágrimas. Fingiu ser um homem forte e perguntou:

         – Por que você quer ir embora? Para onde você quer ir? Qual o motivo desta decisão?

         – Calma! Uma coisa de cada vez. Quero ir embora porque acho que a nossa relação se desgastou. Quero voltar para São Luís. Quero partir sem declarar o motivo.

         – Como posso compreender sem explicação?

          José permaneceu em silêncio por alguns minutos e Maria ficou esperando a resposta. Ela esperava que José fosse fazer um sermão e apresentar muitos motivos para ela ficar, mas ele foi objetivo e disse apenas “ADEUS”. Ela também disse “ADEUS”.

         Maria arrumou a bagagem e saiu sem olhar para trás, deixando  pedaços  de  uma relação que aparentava uma  vida                                                                                                 

feliz para sempre. Na verdade, antes de se casar, ela teve um caso amoroso e dessa relação ganhou uma filha que sempre foi criada pela avó materna. O problema era que José vivia querendo conhecer a sogra e Maria sempre dava uma desculpa com medo de que ele descobrisse a verdade do seu passado.

         Sem uma explicação, José ficou desorientado porque nunca podia imaginar que a sua esposa chegasse a este ponto. Ficou sozinho, limitando-se a pensar na vida sem ela. Tudo acabou tão rápido, e pior, sem nenhuma explicação. Inconformado, José tornou-se um homem triste, descrente de tudo, e passou a beber em demasia. Maria, que tinha os cabelos longos, na altura da cintura, teve que vender o próprio cabelo para patrocinar a sua viagem com destino a São Luís. Fez boa parte de sua viagem de trem e chegou a São Luís fazendo um percurso equivalente ao desenho da metade de um coração no sentido vertical. Procurou o mesmo bar em que trabalhou quando jovem e conseguiu novamente o cargo de garçonete.

         Ela não era mais a mesma: cortou os cabelos bem curto, vestiu roupas devassas, pintou os lábios com batom vermelho forte e pôs brincos de argolas pesadas.  Parecia  outra  pessoa,                                                                                                   mas   não  era.  Maria  estava  sofrendo  a  falta  do    marido, mas vivia disfarçando que estava feliz, enganando-se com um copo de cerveja e música sentimental num ambiente bem animado.

        José conseguiu vender a casa e saiu à procura de Maria, pois não se conformou com a perda. Ele fez boa parte de sua viagem pelo litoral maranhense. E quando navegava, na calmaria das águas chegou a sonhar com Maria nadando na fúria do mar e dizendo aquele triste “adeus”. Tudo não passava de sonho, pois a embarcação navegava tranquilamente nas águas serenas do mar. Na verdade, Pedro estava vivendo momentos de depressão por ter perdido a sua esposa.

         Quando chegou a São Luís, ficou perambulando pelas ruas como um mendigo à procura de mais sorte. Percorreu vários bairros... Depois de tanto procurar a sua esposa querida, sem saber, ele estava em frente ao bar onde Maria estava trabalhando. Ali estavam completando o desenho do outro lado do coração, pois fez exatamente o percurso paralelo que Maria tinha feito. Pedro atravessou a rua e dirigiu-se ao bar. Sentou-se à mesa e pediu uma cerveja. Maria  aproximou-se,  mas  não tinha como reconhecer Pedro                                                                                                  porque ele teve um problema de vista, e estava usando óculos de lentes grossas demais. Além disso, deixou de fazer a barba, contribuindo assim para dificultar mais a sua identificação. Pedro também não reconheceu Maria, pois ela tinha cortado os cabelos, passou a exagerar na maquiagem e estava usando trajes diferentes de quando usava quando casada. Ela o serviu e sentou-se a seu lado para conversar com ele, pensando ser um cliente novo:

          – Por que esse olhar triste?

          – Minha esposa me abandonou...

          – Eu também perdi o meu marido e não estou assim. Faz parte da vida. – Maria estava desabafando, mas não imaginava que estava falando com o seu ex-marido. E continuou: – Tive que acabar com o meu casamento porque omiti uma relação que tive antes do matrimônio. Tenho uma filha e não tive coragem de falar a verdade. E o senhor? Por que se separou?

            – Não sei, mas se eu fosse o seu marido não ia deixar você ir embora só por essa bobagem que você falou. Eu ia era terminar de  criar  a sua filha como  se  fosse  minha também.                                                                                         

             Pedro pagou a cerveja e, quando ele saía, Maria agradeceu e disse: - “ADEUS”.

            Pedro preferiu dizer “tchau”, pois não queria mais ouvir a palavra “Adeus”. Retirou-se e ficou pensando em Maria. Ela, ainda com o copo e a cerveja na mão, lembrou-se de Pedro e chorou de saudade. E agora, de quem é a culpa? Do destino? Não! Ele, o destino, colocou-os duas vezes no caminho certo. Talvez tenha faltado intuição, pois as aparências mudaram, mas a voz e o sorriso permaneceram como antes. Falta de sorte também não foi, pois se reencontraram por coincidência. Saíram da rota de forma inconsciente. Talvez porque a humanidade pense que o destino é responsável por tudo. Na verdade, cada um de nós tem que buscar e lutar sempre para conquistar o verdadeiro amor, mesmo que chegue a desafiar o próprio destino. Então, a culpa foi exclusivamente da palavra “Adeus”!...

Roger

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