Posts de Francisco Raposo Ferreira (187)

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Tina

Tina

 

Tina é uma bela morena, cujas perfeitas formas nunca passaram despercebidas a Jorge, o morador do apartamento situado mesmo poe baixo do seu, ou seja, 8º Esq.

Jorge, desde que se mudou para o mesmo prédio da atraente vizinha e depois de se ter sentido atraído pelas curvas corporais de Tina,  já por várias vezes conseguiu arranjar maneira de subirem em conjunto no elevador, aproveitando o tempo da subida para a apreciar melhor, algumas das vezes de forma bastante descarada, o que também parece não a ter incomodado por aí além, habituada que estás a ser olhada com olhares de gulosice.

Tina, assim que o tempo aquece um pouco, não se inibe, nada mesmo, de usar generosos decotes que lhe deixam uma boa parte dos seios mesmo à mercê do olhar do vizinho, bem como calças justas que lhe moldam o corpo na perfeição, ou arrojadas mini-saias que lhe deixam as bonitas pernas quase todas à mostra.

Jorge, ao contrário da vizinha, é solteiro e não se lhe conhece namorada, embora até nem seja nada de deitar fora. Seja de inverno ou de verão, dia de trabalho ou de descanso, logo ao romper do dia, é vê-lo em longas caminhadas, além de não descurar a dieta que lhe permite manter toda a boa forma física que faz questão de exibir, principalmente quando está na presença de Tina.

Ao contrário da esposa, o marido de Tina, homem aparentemente bem mais velho que ela, parece não sentir grande simpatia pelo jovem vizinho, sentimento que, nota-se bem, é reciproco. Jorge sabe que se trata de um engenheiro naval que passa algumas temporadas longe de casa, o que já o levou, por várias vezes, a sonhar com a vizinha a sentir-se muito sozinha e a convidá-lo para lhe fazer companhia.

Talvez seja o desejo de se poder cruzar com ela, ou melhor dizendo, de lhe poder fazer companhia na subida até ao 8º andar, que, no final de cada dia, o faz correr do emprego para casa, sempre na esperança que um qualquer destes dias, ao chegarem ao piso onde deverá sair, Tina lhe diga “Não queres subir mais um piso? O meu marido está fora.”

Os dias vão passando, as subidas em conjunto vão-se somando umas às outras e de convite para subir até ao 9º andar é que nem sinal. Uma noite, em que ele sabe que o marido de Tina não se encontra em casa, parece-lhe ouvi-la gritar por socorro. Corre para a porta, sobe os degraus que o conduzem até à porta dela, tudo lhe parece tão tranquilo como sempre tem sido costume. Pensa que poderá ter sido o seu subconsciente que o traiu, fazendo-lhe ouvir aquilo que ele tanto deseja e não a realidade, até porque essa não se poderia fazer ouvir, é um silêncio absoluto.

Começa a descer as escadas quando ouve a porta de Tina abrir-se, esconde-se atrás da parede da caixa do elevador e vê sair um homem todo muito bem vestido, ainda como que a acabar de se vestir, o que o levou a pensar que ali estava a principal razão para ela nunca o ter convidado a subir, já tinha um substituto para as ausências do marido.

Jorge entrou em casa, dirigiu-se ao bar, agarrou numa garrafa de Whisky e enquanto a esvaziava ia arquitectando um plano para se vingar daquilo que considerava ser uma traição por parte de Tina, então ele estava ali mesmo ao pé da porta e ela tinha a pouca vergonha de ir escolher outro para seu amante. Não, não iria aceitar isso com bons olhos, ela iria pagar-lhe tal desfaçatez.

Jorge só parou de beber quando deixou cair o corpo sobre o sofá e adormeceu. Adormeceu ou entrou em estado de coma profundo, tal a quantidade de álcool que ingerira e que o impediria de se aperceber tudo quanto ainda se viria a passar nessa mesma noite.

Se até aquele dia, Jorge, tudo fazia para se encontrar com Tina à entrada para o elevador, agora passa-se precisamente o contrário, o rapaz sente-se despeitado com aquilo que considera uma traição no seu direito de ser o escolhido para amante da vizinha.

Tina, estranhando nunca mais ter visto o jovem, decide suspender a marcha do elevador no 8º piso, em vez de o deixar subir até ao 9º, e vai tocar à campainha de Jorge:

- Boa noite, está tudo bem contigo?

- Claro que sim, porque não haveria de estar?

- Nada. Só estranhei nunca mais te ter visto. Já sabes o que aconteceu?

- Porquê, será que a vizinha sentiu saudades minhas? Não me diga que o seu amante a trocou por outra. Não, não sei o que possa ter acontecido, mas também pouco me importa.

Tina, apercebendo-se da frieza com que ele se dirige a ela, decide não adiantar mais nada. Despede-se com um tímido “Desculpa a minha ousadia por te ter vindo incomodar. Tem uma boa noite” e ruma a casa.

Passados alguns dias após a visita de Tina, Jorge, ao entrar no prédio, prepara-se para subir os três degraus até ao elevador, quando uma outra vizinha o interpela:

- Pois é, é por causa das pessoas não se preocuparem, em fechar a porta é que aconteceu o que aconteceu à pobre da vizinha do 9º.

Um alerta soa no cérebro de Jorge:

- Desculpe, que foi que aconteceu à vizinha do 9º?

- Não me diga que não sabe. Se calhar até a ouviu gritar por socorro e nem se preocupou.

Jorge sente o chão a fugir-lhe debaixo dos pés:

- Mas afinal o que é que aconteceu?

- Ora o que é que aconteceu! Foi um malandro qualquer que deve ter andado a estudar os movimentos do marido dela e numa destas noites em que ela estava sozinha em casa, lhe entrou porta dentro, usando uma chave falsa, fez dela o que bem lhe apeteceu e ainda lhe roubou todo o dinheiro e ouro que ela tinha em casa. Não ouviu mesmo nada?

Jorge já nem lhe consegue responder, de tão mal que que sente consigo próprio e com a sua consciência. Sobe até ao 9º andar, toca à campainha de Tina, tem a certeza que ela está em casa, pois consegue aperceber-se da presença dela a espreitar pelo visor da porta, mas esta nunca se abre aos seus toques.

 

Moral: Quem julga sem procurar saber a verdade, corre o risco de julgar em falso.

 

Francis D’Homem Martinho

22/01/2020

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Canalizador

Canalizador

 

Um homem de certa idade

Encantava toda a gente,

Cantando por toda a cidade

Versos e rimas de antigamente.

 

E com verso de sua autoria

Terminava a sua actuação,

Recordo ainda que nele dizia

Qual sua verdadeira profissão.

 

“Sou melhor que o Camões,

Não a versos escrever,

Mas sim a fazer canalizações.

 

Eu as faço com todo o amor,

E ele não as sabia fazer,

Não sou poeta, sou canalizador.”

 

Francis Raposo Ferreira

21/01/2020

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Barco

Barco

 

Barco desgovernado,

Sem rumo, sem norte,

Neste mar agitado

Das linhas da sorte.

 

Nem remos nem vapor,

Tão pouco velas,

Em nada encontras alor,

Perdes-te nas vielas.

 

O casco se vai corroendo,

Num tremor tamanho,

Em que se vai perdendo.

 

Seu nome nada comum

Nada tem de estranho,

Olha para ti, o barco és tu.

 

Francis Raposo Ferreira

21/01/2020

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Surpresa

Surpresa

 

Lourenço sempre fora um homem daqueles a que normalmente todos apelidam de mulherengo, pelo que nenhum dos seus mais fiéis amigos, acreditava que seria Sofia a fazê-lo assentar. Nem o facto de se tratar de uma bela morena, chegava para tirar tal convicção generalizada, até porque mulheres bonitas, era o que nunca faltara a Lourenço e nenhuma o tinha conseguido levar ao altar.

Lourenço e Sofia já namoravam há mais de dois meses, quando a jovem decidiu organizar um almoço de domingo para o apresentar à família.

Lourenço, ao saber que além dos pais e de Rodrigo, o irmão mais novo dela e o único, além dela mesma, que ainda vivia na casa paterna, também lá iriam estar, Clara, a irmã mais velha, bem como o respectivo marido e a filha de ambos.

Lourenço chegou à hora marcada pela namorada, se bem que ainda tivesse de andar a fazer tempo pelas redondezas, sendo, logo, apresentado a Rodrigo, um brilhante finalista de direito, de acordo com as palavras de Augusto, o pai.

Lourenço ficou com a sensação que Augusto só tinha olhos para o filho, não escondendo toda a vaidade que depositava no benjamim da família, transmitindo mesmo a ideia de ignorar, ainda que talvez inconscientemente, a existência das duas filhas, algo que era equilibrado pela mãe, a dona Alice, um encanto de senhora.

Passados poucos minutos ouviu-se o toque da campainha, todos depreenderam que seriam, Clara, a irmã de Sofia, Carlos, o seu marido, e Joana, a filha. Rapidamente constataram que estavam enganados, pois Joana chegava sozinha. Lourenço não conseguiu esconder a sua admiração, a sobrinha da namorada, além de ser uma bela morena de 17 anos, era uma autêntica fotocópia da tia.

Lourenço cumprimentou-a, não sem aproveitar o momento para lhe admirar as belas formas do seu corpo, ao mesmo tempo que lhe parecia ver traços de feições que não lhe eram totalmente desconhecidas. Acabando por atribuir tal impressão, ao facto de a rapariga ser muito parecida com Sofia, passariam bem por mãe e filha., o que, viria a sabê-lo posteriormente, já acontecera por diversas vezes.

Enquanto aguardavam pela chegada dos pais da jovem, esta foi explicando que eles a tinham deixado à porta dos avós e ido fazer uma compra de última hora.

Sofia aproveitou a espera para pedir ao namorado que não estranhasse se Carlos, o seu cunhado, se mostrasse algo senhor do seu nariz, já que ele tinha o hábito de se julgar superior a todos, provavelmente por ser o director de uma importante multinacional do ramo automóvel:

. E a tua irmã, o que faz? Nada, ou estou enganado?

- A Clara é Psicóloga. Nos primeiros anos de casada, ainda viveu à custa do marido, mas depois decidiu ter a sua própria vida.

- Estão casados há muitos anos?

- Sim. Há quase vinte anos. Ainda não estavam casados há três anos, quando a Joana nasceu.

- Há uma boa diferença de idades entre vocês as duas.

- É verdade. Quase quinze anos. A Clara tem 41.

Novo toque da campainha, agora sim eram Clara e Carlos. Lourenço sentiu um baque no coração.

Não, aquilo não era possível. Cumprimentou Carlos, trocou dois beijos com Clara e apercebeu-se de como a mulher corara. Trocaram olhares e ficaram-se por aí.

O almoço correu em bom ambiente, embora Clara nunca tenha conseguido mostrar toda a alegria e jovialidade que era seu apanágio, o que chegou mesmo a provocar um comentário algo provocador por parte de Joana.

Foi no casamento da irmã, que Clara, aproveitando um momento em que ficou a sós com o seu agora cunhado, lhe agradeceu todo o silêncio sobre o que passara entre ambos, quando já era casada com Carlos e mãe de Joana.

Lourenço limitou-se a dizer-lhe que passado era passado e só o futuro lhe interessava, pelo que poderia ficar descansada, nunca se iria aproveitar do facto de saber que ela traíra o marido com ele, pois amava Sofia e, por nada deste mundo, desejava que esse amor pudesse vir a sofrer por causa de uma aventura passageira.

Clara acabaria por lhe confessar que, aquilo que para ele fora uma simples aventura passageira, para ela fora apenas o prolongar de algo que há muito era a realidade da sua vida, a procura de substituto para as necessidades afectivas que o marido não sabia, nem queria, compreender, limitando-se a só se preocupar em a tentar comprar com a estabilidade financeira que lhe proporcionava, esquecendo-se do resto.

Lourenço prometera apoiá-la em tudo o que lhe fosse possível e assim o fez, não só alertando Sofia para a vida de sofrimento que a irmã levava, como procurando que o sogro a apoiasse na sua luta pelo divórcio, o que Carlos parecia não aceitar de modo nenhum.

Lourenço amava Sofia, sabia que esta amava a irmã e a sobrinha, pelo que o que mais desejava, era a felicidade de Clara e de Joana.

 

Moral: “Quando se ama alguém, só a sua felicidade nos dá Felicidade.”

 

Francis D’Homem Martinho

21/01/2020

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A Exclusão dos Poetas

A exclusão dos Poetas

 

Curioso como toda a sociedade

Se define por uma contradição,

Cujos vectores são, pura verdade,

Os, da inclusão e da exclusão.

 

Inclusão de quem merecer

Pertencer a essa mesma sociedade,

Exclusão de quem pensar perverter

A instituída social realidade.

 

Inclusão que consagra acordo,

Exclusão usada como uma defesa,

Assim se supera, de fácil modo,

Aquilo que seria ameaça de certeza.

 

Pelos excluídos, pobres e loucos,

Se ergueu a democracia,

Com outros excluídos, não poucos,

A Lusa história se escreveria.

 

Foram os banidos da Sociedade

Que se aventuraram nas descobertas.

Hoje, a exclusão é outra, verdade,

Tentam excluir-se pensadores e Poetas.

 

Francis Raposo Ferreira

20/01/2020

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Regresso da Escola

No regresso da escola

 

Naquele tempo,

De brincadeiras na rua,

A inocência,

Minha e tua,

Permitia-nos tudo,

Até conquistar o mundo.

Naquele tempo

De brincadeiras na rua.

 

Agarrava-te na mão,

Tempos de ilusão,

Namorava contigo,

Sonhavas comigo,

Pura ilusão.

 

No regresso da escola,

Trazíamos na sacola

Cartas de amor,

Subia por mim um calor,

Ficava corado,

Assim meio envergonhado

No regresso da escola.

 

Agarrava-te na mão,

Tempos de ilusão,

Namorava contigo,

Sonhavas comigo,

Pura ilusão.

 

Brincávamos às casinhas,

Contava-te coisas

Muito só minhas,

Estávamos apaixonados

Éramos namorados

Brincávamos às casinhas.

 

Agarrava-te na mão,

Tempos de ilusão,

Namorava contigo,

Sonhavas comigo,

Pura ilusão.

 

Francis Raposo Ferreira

20/01/2020

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Nova Vida

Nova Vida

 

Maria José, após se despedir do último dos amigos que lhe prestaram apoio nestas horas difíceis da sua vida, sentou-se à mesa, a mesma mesa onde, tantas e tantas vezes, tomou as refeições com o seu agora desaparecido Joaquim.

O novo dia veio apanhá-la sem ainda ter conseguido adormecer. Passara toda a noite a reflectir sobre o que poderia vir a ser o seu futuro. Não que temesse este mesmo futuro, pois a vida nunca lhe metera medo, nem mesmo nas horas de maior agonia, como sucedera naquele dia em que, conjuntamente com o marido, ouvira o médico pronunciar tão drástica sentença:

“Senhor Joaquim, o que tenho para lhe dizer, não é fácil, nada fácil mesmo...o senhor tem somente três meses de vida.”

O que realmente levava Maria José a pensar no seu futuro, era o desejo de conseguir continuar a viver a sua vida sem dar azo a que alguém se pudesse sentir tentado a querer ser o condutor dessa mesma vida. Não era ao acaso que Maria José se via confrontada com tais pensamentos, antes pelo contrário, ainda tinha bem presente na memória, o que se passara com a sua prima Celeste, que, tal como ela, também ficara viúva ainda bastante nova.

Foi há pouco mais de dois anos que Jaime, o seu primo e marido de Celeste, faleceu, pelo que ainda se recorda, perfeitamente, de como tudo se foi desenrolando. Primeiro fechara-se num luto que até metia dó e que motivaria muitos comentários do género:

“Sinceramente, uma mulher ainda nova a deixar de viver, logo por causa de um homem que nunca a soube respeitar.”

Aos poucos e poucos, Celeste foi conseguindo ultrapassar a dor da perda e lá foi recomeçando a fazer a sua vida, o que, de imediato, motivou novos comentários:

“Até já estava admirada com tanto recato, aquilo devia ser só fingimento, não tarda muito e aparece por aí com namorado novo.”

Maria José não temia os comentários de quem, na maioria das vezes, nem moral teria para os fazer, mas sim a eventualidade de vir a ser, directamente, confrontada com esses mesmos comentários e, tinha a certeza disso, não se ficar a ouvir tais boatos sem responder à letra, fosse quem fosse o seu autor.

Os dias foram passando e Maria José pôde confirmar, na plenitude, tudo quanto lhe passara pela mente naquela primeira noite após se ter despedido de Joaquim. Ao contrário da prima Celeste, não se entregara à solidão e à tristeza, tinha a plena consciência que tudo fizera pelo marido e que sempre o soubera respeitar, pelo que, agora que ele já cá não estava, tinha era de continuar a lutar pela vida. Logo os comentários começaram a circular por todo o bairro, até que alguns lhe chegaram aos ouvidos.

Naquela manhã, como nunca o deixara de fazer, após se arranjar, foi tomar café onde sempre o fazia, mesmo em frente a sua casa. Ao entrar, verificou que a autora do boato, também ali estava, passou por ela, deu-lhe os bons dias e seguiu até ao balcão:

- Maria José, peço-te desculpa por aquilo que te foram contar, apesar de ter a minha consciência tranquila, pois, ao contrário do que dizem, não fui eu que inventei tais boatos a teu respeito.

- Não sei de que falas. Não tenho por hábito dar ouvidos a boatos. Podes ficar descansada, pois tampouco me importa se te deitas com o Sr. Marcolino da mercearia, ou não.

- Como é que tu sabes isso?

- Não interessa. O que interessa, é que podes continuar a deitar-te com ele à vontade, pois, por mim, o teu marido nunca o saberá.

- Mesmo se vieres a descobrir que fui eu  quem lançou o boato sobre ti?

- Sim. A mim, só me preocupam as verdades e a minha consciência. Os boatos devem preocupar é quem os lança, pois poderá ter de os provar.

Maria José foi-se sem lhe dar tempo para mais conversas.

 

Moral: Quem se preocupa com a vida dos outros, fica sem tempo para olhar pela sua.

 

Francis D’Homem Martinho

20/01/2020

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Sonhando a Vida

Sonhando a vida

 

Miguel levantou-se ainda não eram sete horas, desde há dez anos que cumpria aquele ritual, todos os domingos.

Levantou-se, dirigiu-se para o quarto de banho, barbeou-se e tomou o seu banho domingueiro, isto não significa que só tomasse banho aos domingos, só que aos domingos aprimorava-se no banho, saiu de debaixo do chuveiro, secou-se, colocou o seu after-shave preferido e voltou ao quarto.

Escolheu um dos seus melhores fatos, não era o calor de Julho que o ia impedir de se vestir com toda a pompa e circunstância, escolheu uma camisa a condizer, depois rebuscou numa das gavetas da mesa-de-cabeceira e tirou uma gravata que combinava, na perfeição, com o resto do conjunto, fechou a gaveta, abriu outra e retirou umas meias que completassem todo o traje.

Sentou-se na beira da cama e começou por vestir as boxers, era um homem muito actualizado, depois calçou as meias, vestiu as calças, calçou os sapatos e levantou-se, vestiu a camisa, abotoou-a, abriu a porta do roupeiro que tinha um espelho interior e colocou a gravata, ajeitou o nó, alinhou a camisa e vestiu o casaco.

Saiu do quarto de dormir e passou ao quarto de banho, pegou no pente e penteou-se com todo o esmero, mirou-se ao espelho e gostou do boneco.

Abriu a porta que dava acesso às escadas do prédio, sentiu uma aragem na cara e pareceu recordar-se de algo, voltou a entrar em casa, dirigiu-se ao quarto de dormir, pegou num frasco e colocou um pouco de perfume, agora sim, estava tudo.

Voltou a sair para as escadas, fechou a porta à chave, meteu-se no elevador e saiu do prédio. Dirigiu-se para o seu automóvel, abriu a porta, sentou-se, voltou a fechar a porta e colocou o motor em marcha.

Miguel nem se apercebia de como o tempo passava, desde que sua esposa falecera, há dez anos, que ele repetia todo o cenário que cumprira no último Julho que passaram juntos.

Nunca mais conduzira, até porque nem renovara a carta de condução, a idade também já não lho permitia.

Limitava-se a colocar o automóvel em funcionamento, na véspera tinha a atenção de o lavar com todos os cuidados, e depois deixava-se ficar, de olhos fechados, a recordar cada uma das viagens que fizera com a sua esposa.

Miguel continuava a viver a vida que sempre vivera, ao lado da mulher que sempre amara, porque Miguel nunca se esquecera de sonhar, sonhar com a vida, ignorando a morte.

Miguel veio a falecer numa dessas manhãs, ao volante do seu automóvel e na companhia da mulher amada.

 

Francis Raposo Ferreira

19/01/2020

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Sereias

Sereias

 

Em noite de lua cheia,

Sentado à beira-mar,

O canto de uma sereia

Me incita a sonhar.

 

Deixo-me conduzir

Pelo cântico sereno,

Sinto meu corpo a ir

Num deslizar ameno.

 

Sua boca, molhada,

Me convida a beijar,

Não penso mais nada.

 

Limpo a cabeça de ideias.

Não sei se vêm do mar,

Amo tão belas Sereias.

 

Francis Raposo Ferreira

19/01/2020

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Viver o Sonho

Viver o Sonho

 

O mundo, quem comanda o mundo?

O mundo é, pois é, comandado

Por quem consegue sonhar fundo

E ousa viver o seu sonho sonhado.

 

Saber sonhar é ter talento,

Mas saber vivê-lo é talento maior,

Quem sonha persegue o momento

De o transformar num acto de amor.

 

Ah, ter essa coragem de sonhar

É não temer nada nem ninguém

Porque o sonho não se pode censurar.

 

Uns sonham, mas temem viver,

Outros sonham e sonham também

Em nunca deixar o seu sonho morrer.

 

Francis Raposo Ferreira

19/01/2020

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Assim me Fizeste

Assim me fizeste

 

Nasci sem nada,

Tal como toda a gente.

Fui criança amada,

Não o é toda a gente.

Cresci com dificuldades,

Muitos crescem assim.

Recebi amor e amizades,

Outros têm outro fim.

A vida deu-me um sorriso,

No amor de meus pais.

Esse é o bem mais preciso,

O resto, coisas banais.

Por mulheres fui amado,

Por algumas fui traído-

Fui um irmão adorado,

Um sentimento retribuído.

Errei por meio mundo,

E meio mundo em mim errou.

Hoje digo-o cá do fundo,

Meu coração sossegou,

Porque o amor encontrou

Tu assim me fizeste, Feliz.

 

Para Isabel, minha esposa.

 

Francis Raposo Ferreira

17/01/2020

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O Passarinho Grato

O Passarinho grato

 

Francisquito regressava a casa, quando ouviu algo que lhe pareceu o piar de aflição de algum passarinho. Imediatamente um pensamento lhe aflorou à ideia, aquilo só podia ser obra do menino Vítor.

Vitor era um jovem, mais ou menos da mesma idade de Francisquito, que passava o seu tempo livre a montar armadilhas aos pássaros, o que já lhe valera a ida, várias vezes, ao posto da guarda local, bem como ao pagamento de algumas multas, estas a cargo dos pais.

O piar do pobre animal não deixava dúvidas, estava mesmo em dificuldade. Francisquito olhou à sua volta, pois Vitor tinha fama de ser agressivo para quem lhe estragasse as armadilhas, e só após se certificar que estava sozinho, é que se aventurou a entrar pelo mato dentro. Suspeitando que os seus passos tivessem assustado o pobre animal, visto ter deixado de piar, decidiu suspender a marcha e aguardar um pouco, embora desejasse sair dali o mais depressa possível.

Não precisou esperar muito, logo o piar do passarinho se voltou a fazer ouvir. Apurou o ouvido e lá conseguiu chegar ao local onde, como já calculara, um indefeso passarinho, parecia-lhe um pintassilgo, se encontrava preso por uma pata. Um daqueles laços que tão bem conhecia de Vitor, os quais se apertavam, tão fortemente, em torno da pata dos pássaros que lhes era impossível libertarem-se. Observou o dito laço, tentou partir o fio, mas nada, era bem resistente.

Francisquito afastou-se um pouco, em busca de algo que o ajudasse a quebrar o fio e soltar o pobre animal. Viu uma pedra em forma de faca, agarrou-a e, agarrando na patita do passarinho, lá foi conseguindo quebrar o fio.

O passarinho, assim que se viu livre, bateu as asas e fugiu para bem longe dali.

Assim que chegaram as férias da Páscoa, Francisquito correu a fazer aquilo que mais adorava, ficar sentado na margem do rio, a observar os bandos de lindos pássaros a, ali irem beber.

Francisquito ainda mal se tinha sentado, quando sentiu uma forte pancada na cabeça.

As horas passaram até que Francisquito voltasse a si. Assustou-se, não tinha bem a noção de onde estava, tudo aquilo lhe parecia desconhecido, tal era o efeito da pancada recebida. Que raio estava ali a fazer? Porque não estava em casa, como de costume? Tentou sentar-se, parecendo-lhe que o chão parecia molhado. Sentiu uma forte dor na cabeça, levou a mão ao sítio onde lhe doía e pareceu-lhe que tinha a cabeça molhada.

Francisquito já não sabia se sonhava ou se estava acordado, nada daquilo lhe fazia sentido. Assim que se sentou, começou a ver tudo a andar à volta. Apoiou ambas as mãos no chão e lá se foi recordando do que se passara:

- Ah, aquele malandro do Vitor!

Agora sim, recordava-se de tudo, até das últimas palavras que lhe ouvira:

- Isto é para aprenderes a não te meteres onde não és chamado. Hoje, não me vais estragar a caçada.

Francisquito deixou-se ficar quieto. Havia ali qualquer coisa de estranho. Olhou para cima da sua própria cabeça e o que viu, deixou-o perplexo. Dois passarinhos, apesar do escuro que se fazia sentir ,um deles com um fio pendurado na pata, pelo que poderia ser o que salvara no outro dia, batiam as asitas em grande esforço, de modo a conseguirem refrescar-lhe o rosto, enquanto um terceiro lhe depositava pequenas gotículas de água sobre a cabeça. Foi então que ouviu os gritos de alguém a chamar por ele, logo reconheceu a voz do pai:

- Fique sabendo, a sorte do seu filho, foi ter recebido essa providencial ajuda que o foi refrescando e molhando a cabeça. Não fosse tal ajuda, e não sei o que poderia ter acontecido.

 

Moral: “O que importa, não é o tamanho dos amigos, mas sim da amizade.”

 

Francis Raposo Ferreira

17/01/2020

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Sexo Virtual

Sexo Virtual

 

Hoje tudo parece normal,

Há desculpas para tudo,

Até quem sem acto sexual,

Se pense pai, e não cornudo.

 

Engravidou por via virtual,

Ela lhe diz com convicção,

Para ele é muito natural,

Ela enganá-lo, isso é que não.

 

Valha-nos a nova tecnologia,

Assim tudo fica esclarecido,

Milagre assim, antes não havia.

 

Não há traição em Portugal,

Há é algum mal-entendido,

Ignorância sobre o sexo virtual.

 

Francis Raposo Ferreira

17/01/2020

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Voltaram a Ser Crianças

Voltaram a ser Crianças

 

Encontraram-se por acaso, no Largo da Conceição, em Beja, e na encruzilhada dos caminhos das suas vidas.

Inês, ainda a tentar ultrapassar o trauma provocado pelo fim de um namoro com mais de sete anos, acabara de sair do Museu Rainha Dona Leonor, não por qualquer interesse especial, mas somente porque não conhecia nada da cidade e aquele lhe pareceu ser um local fresco, enquanto David, como fazia tantas vezes desde que enviuvara, se decidira a meter-se no carro e ir sem destino, pelo que chegando a Beja à hora do almoço, resolvera entrar na cidade e procurar um sitio onde pudesse comer alguma coisa e, sobretudo isso, saciar a sede, era daí que acabava de sair quando, tão distraído ia, não viu Inês e chocou com ela..

O forte calor Alentejano caía a pique sobre a cidade, como que tirando a capacidade de reacção a quem não estivesse habituado a ele, como era o caso de Iambos.

Ao sentirem o choque dos seus corpos, entreolharam-se mutuamente, primeiro de um modo disfarçado, depois já mais insistentemente e, como que hipnotizados, começaram a descobrir pontos de interesse no que viam no outro.

Nenhum tinha a noção do tempo que ali ficaram a olhar-se, até que vencida a timidez inicial, ele lhe pediu desculpas, se apresentou e, dizendo-lhe que era para a recompensar pelo encontrão, a convidou para uma bebida fresca.

Inês achou-o educado, simpático e divertido, mas ao mesmo tempo, triste.

David por sua vez achou-a muito bonita, atraente, parecendo-lhe, sem saber explicar porquê, ser uma rapariga de cabeça limpa, embora lhe parecesse receosa, talvez até um pouco carente.

Inês aceitou o convite, confessando-lhe estar mesmo a precisar de uma bebida fresca, tal o calor que parecia querê-la sufocar. David deu meia volta, gostara do restaurante onde almoçara e fez-lhe sinal para que tomasse a dianteira, não o fazia somente por uma questão de delicadeza, mas também para a poder apreciar na plenitude das suas formas:

- É curioso, toda a minha família é desta zona, nunca cá tinha vindo e hoje, sem querer, aqui vim parar e aqui estou com uma linda rapariga à minha frente.

Inês começava a engraçar com ele, revelando-lhe ser a primeira vez que estava em Beja e o motivo da sua viagem, fugir para longe dos lugares que havia visitado com o namorado que a abandonara a duas escassas semanas do casamento. David revelou-lhe ser viúvo há pouco mais de um ano e ainda estar a começar a despir a viuvez.

O calor da tarde parecia estar combinado com o destino deles, convidando-os a deixarem-se ficar a falar de cada um deles, como se fossem velhos conhecidos que há muito se não viam:

- Olha, sabes o que estou a pensar?

- Não, mas acredito que me vais dizer.

- Estou a pensar que com todo este calor, talvez não fosse má ideia procurar onde dormir esta noite e, caso assim o aceites, fazer-te companhia até amanhã.

- Não só o aceito, como te agradeço, pois desde que o outro se foi, não me tem apetecido falar com ninguém, mas contigo está a saber-me muito bem. Se quiseres até podemos ir ver se a senhora onde estou hospedada, ainda tem algum quarto vago.

- Agradeço-te, com este calor, tirando o teu, não deve ter mais nenhum alugado.

- Tens razão, qual a louca, tirando eu, que se aventuraria a vir passar o fim-de-semana a Beja.

- A louca não sei, mas o louco, talvez mesmo só eu. Vamos?

Afinal, sem saberem explicar porquê, ficaram aquela noite, a outra, e a outra:

- Tu não tens de ir trabalhar? Hoje já é quarta-feira.

- Eu não trabalho, ou melhor, sou empresário por conta própria. E tu?

- Sou professora, estou de férias.

Os dias passavam e o prazer de estarem juntos, renascia todos os dias com a mesma força com que o sol renasce nas terras Alentejanas. Nenhum sabia explicar o que os continuava a prender ali.

Inês, vendo nele a confiança que tanto ansiava, não tinha problemas em dizer-lhe o que pensava dele e dos seus planos, ao que David respondia com sinceros galanteios, tanto à sua beleza física, como intelectual.

Inês, passada mais de uma semana de se terem conhecido, ousou confessar-lhe nunca ter rido com tanta felicidade como ele a conseguia fazer sorrir. ele respondia-lhe que o fazia, simplesmente porque adorava vê-la a sorrir, pois quando sorria, ficava mais, ainda mais, bonita:

Foi ao aproximar-se novo que ele a surpreendeu:

- Sabes como é o tempo, umas vezes parece que nunca mais passa, outras, infelizmente, parece que passa depressa demais.

- É verdade, agora que acredito ter redescoberto uma razão para voltar a sorrir à vida, é que o tempo passou depressa demais.

- Depressa demais, aqui nesta calma toda?

- Sim.

- Estava a brincar contigo, também lamento que o nosso tempo esteja a acabar.

- Enganas-te David, se tu quiseres, por mim, o nosso tempo ainda só está a começar. Tu soubeste fazer com que voltasse a sentir-me criança e, eu, fui uma criança muito feliz.

David, pela primeira vez desde que enviuvara, também ele ousou deixar voar o pensamento até aos seus tempos de criança, quando era muito feliz, colocou-lhe as mãos no rosto e voltou a saborear o prazer de beijar uma mulher.

 

Francis D,Homem Martinho

15/01/2020

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Viajando em Alves Redol

Viajando por Alves Redol

 

Ler um livro de Alves Redol

É fechar os olhos e sonhar,

Ver “Avieiros” num dia de sol,

“Constantino a guardar

Vacas e Sonhos” e sobre a mole

De “Marés” do Tejo, navegar.

Lezíria Ribatejana em calmaria,

Adorando “Uma Flor Chamada Maria”.

 

Ler Alves Redol é ver nossa gente,

É abrir “Uma Fenda na Muralha”

Ver que “O Destino Morreu de Repente”,

Pra esta gente que canta e trabalha,

É ouvir um “Anúncio” diferente,

Pedindo “Gaibéus”, nunca falha.

É a “Fanga” na “Noite Esquecida”,

“Histórias Afluentes” escritas na vida.

 

Ler Alves Redol é um “Porto Manso”

Nunca será “Horizonte Cerrado”,

“Maria Emília” não tem descanso,

Frenética, qual “Cavalo Espantado”

Manobra a “Forja” com balanço,

Olhando o “Muro Branco”, pintado.

“Vida Mágica de Sementinha”

Com “Espólio” feito de nadinha.

 

Ler Alves Redol é embarcar,

Com “Olhos de Água”

No “Comboio das Seis” e emigrar,

Deixando para trás a mágoa,

D’ “A Flor Vai Ver o Mar”,

Quem sabe, lá prós lados de Mortágua.

“Barranco de Cegos” e sua má sorte,

Enquanto “A Flor vai Pescar Num Bote”

 

Ler Alves Redol é mais que “Estudos”,

É um “Cancioneiro do Ribatejo”,

Talvez sejam “Os Reinegros”, barbudos,

“Os Homens e as Sombras” que não vejo,

“Vindima de Sangue”, em copos bojudos,

“Fronteira Fechada” que não desejo.

“Barca dos Sete Lemes” que se avista,

Li Redol “Nasci Com Passaporte de Turista”

 

Ler Alves Redol é visitar as belezas

Do “Romanceiro Geral do Povo Português”,

Quando “Maria Abre o Livro das Surpresas”

“Glória – Uma Aldeia do Ribatejo”, vês.

São historias de vidas Portuguesas,

Que vives, quando Alves Redol, lês.

“Três Contos de Dentes Para O Oficio”, editou

“A França – Da Resistência à Renascença”, acabou.

 

Francis Raposo Ferreira

15/01/2020

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Alma de Poeta

Alma de Poeta

Alguns pensam em guerra,
Outros sonham com amor.
Alguns destroem a terra,
Outros desejam-lhe o melhor.

Alguns matam a esperança,
Outros aspiram liberdade,
Alguns nunca foram criança,
Outros não acusam a idade.

Alguns não sabem amar,
Trazem na mão, só maldade,
Sãos, ameaça à humanidade.

Outros, fazem-nos sonhar.
Trazem na mão, só a caneta,
Loucos, têm alma de poeta.

Francis Raposo Ferreira
15/01/2020

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Viajando nas Letras

Viajando nas letras

 

Depois de ler Camões,

Ou António Aleixo,

E imaginar tais paixões,

De nada mais me queixo,

E, nas asas das ilusões,

Deixar-me ir, eu deixo.

Ah, Barbosa do Bocage,

Onde tudo interage.

 

Camilo Castelo Branco,

Num “Amor de Perdição”

Eça de Queiroz, li-o tanto,

Era de dia, ou ao serão,

Sua escrita era encanto

Para minha alma e coração.

E no ilustre peito Lusitano,

Ainda cabia Alexandre Herculano.

 

“As Pupilas do senhor reitor”

Deixavam-me tão feliz,

Li-as e relia com fervor,

Tal como as escrevera Julio Dinis.

Oh Pátria, quanto escritor

É filho de tão nobre país.

Amor, ciúme, ódio de morte,

Tudo lhes servia de mote.

 

Francis Raposo Ferreira

14/01/2020

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Horas Mortas

Horas mortas

Ah, como me importam
Aquelas horas mortas,
É nelas que choram
Viúvas atrás das portas.

Choram suas dores,
Temendo a solidão,
Perderam seus amores
Ficou-lhes a escuridão.

Descida vertiginosa
Que não leva a nada,
Matando a viúva chorosa.

Nada mais faz sentido,
Vida no fim da estrada.
Vida! era seu amor querido.

Francis Raposo Ferreira
14/01/2020

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As Pedras do Caminho

As Pedras do Caminho

 

Lourenço reviu-se a recuar cerca de 25 anos no tempo. O choro daquele menino teve esse condão de o fazer regressar à sua própria meninice. Não que a sua meninice tivesse sido coberta de manto dourado, ou prateado que fosse, mas teve, isso sem dúvida alguma, uma meninice feliz, com uns pais que o amavam e dois irmãos, um dos quais viria a ter vida curta, com quem tinha uma forte relação, a qual ainda hoje mantém com Amílcar, o mano sobrevivente.

Lourenço conseguira, sempre com o apoio dos pais e amigos próximos, atingir um nível de vida que nada tinha a ver com a realidade da casa paterna. À medida que ia conseguindo subir alguns degraus na conquista de novos patamares de conforto e reconhecimento social, o jovem ia, também, arrastando consigo, todos aqueles que antes lhe tinham dado a mão, isto é, nunca se mostrou ingrato para quem o ajudou e apoiou, familiares e amigos.

Outra qualidade com que muito se identificava, era a sua capacidade e disponibilidade para ajudar os outros, mesmo que simples desconhecidos. Lourenço nunca esqueceu de onde viera, pelo que, sempre que tal lhe era possível, ainda que isso significasse ter de abdicar do seu conforto, lá estava o jovem pronto a colaborar na resolução dos problemas dos seus semelhantes, principalmente das gentes da rua que o vira crescer e com as quais nunca cortara relações de amizade.

Aquele choro do pequeno Carlitos, mas sobretudo as palavras da mãe deste, não o deixaram indiferente:

- Carlitos, quantas vezes te tenho dito para não andares aos pontapés às pedras…?

Foram estas palavras, que fizeram Lourenço recuar no tempo, pois trouxeram-lhe à lembrança o seu falecido pai. Quantas vezes aquele o avisara para não pontapear toda e qualquer pedra que lhe surgisse no caminho. Até que um dia, como sucedera agora a Carlitos, teve a infelicidade de ver uma dessas pedras ir beijar o vidro de um automóvel:

- …E agora, como é que vamos explicar ao Dr. Lourenço, e, principalmente isso, como é que vamos contar ao teu pai…?

Aqui já a conversa era diferente das do seu pai, o qual sempre fora um homem decidido, se havia uma atitude a tomar, então que se tomasse:

- …acredito que deve já ter chegado a casa como é costume, bêbado. Sabes o que é que isso significa? Que não te livras de uma tareia das grandes.

Lourenço fez com que a sua presença se tornasse notada, agachando-se junto do garoto e perguntando-lhe:

- Carlitos, prometes-me que nunca mais pontapeias nenhuma pedra?

O petiz olhou-o nos olhos, sentiu-se tentado a dizer que sim, mas na sua ingenuidade de criança, não foi capaz de lhe mentir:

- Eu posso prometer, mas tenho a certeza que não serei capaz de cumprir a minha promessa.

Lourenço sentiu-se feliz com a sinceridade do pequeno. Era como que uma fotocópia do que ele fora. Levantou-se, olhou a mãe do garoto e disse-lhe:

- Não se preocupe com o vidro. Aliás, ele até já estava estalado. Só quero que me prometam uma coisa, será um segredo só de nós três. Posso confiar em vós?

Enquanto lançava a pergunta, Lourenço fixou os olhos nos da mãe do pequeno Carlitos, como que a dizer-lhe “Nada de contar ao seu marido”.

Sim. Foi o que se ouviu em uníssono. A mãe do garoto ainda tentou agradecer, mas Lourenço não lho permitiu. Não havia nada a agradecer.

 

Moral: Quem nunca se esquece de onde vem, sabe sempre para onde vai.

 

Francis D’Homem Martinho

14/01/2020

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Nova História da Carochinha

Nova História da Carochinha

 

Andava uma carochinha

A varrer o chão

Da sua modesta cozinha

Quando achou um tostão.

Ela pôs-se logo a sonhar

Com uma nova vida,

Primeiro queria casar

E ir de viagem seguida,

Procurou o melhor vestido

E pôs a cantar à janela:

“Quem quer ser meu marido,

Sou jovem, rica e bela.?”

Muitos se candidataram,

Mas por qualquer motivo

Todos eles reprovaram

No principal objectivo,

Até que surgiu João Ratão,

Que logo a convenceu,

Ela logo lhe deu a mão

E ele contente a recebeu.

No dia do casamento

Ele pediu para se ausentar

Por um breve momento,

Ela não ousou recusar.

Ele correu até casa dela,

Foi direito à cozinha

E deu-lhe o cheiro da panela,

Tanta fome que ele tinha.

Levantou a tampa e espreitou,

Agarrou no garfo e, já está,

Um belo chouriço espetou

E foi comê-lo para o sofá,

Não se podia demorar

Por isso comeu à pressa,

Correu até onde iam almoçar

E não se perdeu com conversa,

Foi muito linda a festa

Com muito comer e beber.

A outra história não presta,

Aqui o noivo não vai morrer.

 

Francis Raposo Ferreira

13/01/2020

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CPP