Posts de Paulo Sérgio Rosseto (362)

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A CAUSA DA QUAL MORRI

Põe-me longe sepulto retirado dos amigos

Distante dos parentes

Em cova rasa de condomínio

Cercada de estranhos vizinhos

Onde se desconheça o bom-senso

E não reconheçam a causa da qual morri

 

Sempre vivi muito próximo ao apego

Religado à exacerbada bonança

Descomunal à pequenez do meu mundo

Não será justo que se perpetue

Quando o tempo e os dias

Não farão mais sentido

Atreva conviver a eternidade

A engana-los com a índole de boa gente

 

Pois se assim tivera sido os teria amado mais

A ponto de não ter partido sem tê-los deixado

Com as certezas de que não duvidaram jamais

 

Por isso que seja erma minha ultima morada

E nada e ninguém no extremo derredor

Conheça as insalubres trapalhadas de um ausente

Que nem mortos auferidos ou vivos mortais

A meu gosto e pedido nem se lembrem ou arrependam

Terem me posto ali sob a alcunha de indigente

 

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CERTAS VONTADES

Tenho certas vontades

Que ninguém acreditaria se as contasse

Tão inimagináveis que certamente surpreenderia

 

Mas o que seriam os anseios

Senão se evidentes o viço para a imaginação fértil

O alimento essencial da curiosidade alheia

 

No entanto tudo deixa de ser desejo

Quando calo as suas possibilidades

Ao primeiro pasmo que sobeja

 

Fervilha em mim qualquer coisa razoável

Dessas que instigam e incendeiam

Pelo simples fato de tornar-se exposta

 

Ante ao que sonho e vivencio

Há um abismo de considerações falhas

E é por elas que vivo buscando respostas

 

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DEPOIS DE EXTINTA A HUMANIDADE

Depois de extinta por completo a humanidade
A miséria e a riqueza reconheceram suas verdades
Que jamais houvera de ambas necessidade
Que a necessidade extirpara pobres e fartos

Agora que deixara de haver míseros e abastados
Feneceram por terem impróprios se tornados
O planeta retomara seus brios e do caos se livrara
Como se refaz reconstrói e se renova o inabitado

De todos os insetos fora ele o mais nocivo
De todos os animais fora ele o mais perverso
De todas as tormentas fora ele a mais devassa

O mundo sim voltara a ser o centro do universo
Não mais aquele protótipo de deus chamado homem
Que sequer soube de si nem a origem da própria raça

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BEIJO

A face à espera do lábio
O lábio procurando a testa
Duas caras que se tocam
Repartem o ósculo
Encontram-se e oram
Rezam
Atestam selando cumplicidade
À estampa em forma de afago
Do fraterno apego que rasga
Escancara e desvenda o segredo
Da comunhão fraterna

Um beijo é um ato completo
Repleto de sentimento
Sem rusga
Conexo

Um beijo é um momento exato
De coragem
Entre o amor e o medo

 

 

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UNIDADE

São únicas as nossas vontades apesar de diversas
Nós procuramos
A falta dela é como se queimássemos a língua
E perdêssemos o paladar
Ninguém usurpa da liberdade do existir

Pisamos todos sobre mosaicos de pedra
Uns acolchoados
Outros nos granitos em pelo
Tantos na batida terra e torrão
À baila do realejo que regula o pensar

Em algum canto mora o encanto da unidade
Mesmo que andemos em paralelo
Ainda que às cegas buscamos o porvir

 

 

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ENTRE COLUNAS

Venerável tempo
Eis-me absorto por entre colunas
Descalço
Nem vestido nem nu
Revestido de contemplação
Com a chama da alma na palma da mão
Longe dos deuses e nobres
Junto aos justos imperfeitos
Puxando as balsas pelas roldanas
Nem ao norte nem ao sul
Exatamente onde os astros me põem
Distante do gradil onde dormem
Todas as situações das eras vincendas

Eu subo os vossos degraus
Desço ao subterrâneo da lógica e dos defeitos
Passeio no entremeio das consciências
Onde se misturam destino e sorte
Quando a fome manifesta
O calor e a luz das sarças
E a morte a vida apresta

Sob a abóboda que o aço arca
E a foice corta se a carne é fraca
Junto os meus pés no arquétipo esquadro
E voo até as vossas alças
Aprendendo a ser forte puro e bom
Como devem ser lapidados
Os passageiros desta barca
Esses homens meus irmãos

 

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ESCRITAS

Todas as vozes que te falam de mim nada dizem

Se elogiam enganam-te

Mentem por enaltecer-me

Exageram quando aplaudem

Detratam ao enobrecer

Porque não sou nem resisto dentre padrões

Que costumas por normal ao ouvir conceber

 

Sou a madrasta consciência

Esta que te finge entender

Portanto não ouças de mim

Apenas leia-me o que puder

E terás a fiel noção de teu ser

 

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VELHO TIMONEIRO

O mar a essa hora
Mais parece um lençol amarrotado
Estendido sobre imensa cama
Depois que a lua espelhada deitou-se nua
Brincando libidinosa entre as pernas de quem ama

Eu velho timoneiro de um navio calado
Que tantas vezes deu-se aos prazeres dela
Hoje assisto da areia os arrepios do lastro
Mas sem pretensão de segui-la a nado
Ao aguardar que me venha insólita a madrugada

Aprendi que nada há de mais insensato que a fartura
Há tanto peixe e não mais sei busca-los
Tantos rumos sem outra vez persegui-los
Tantos amores entre lua e aguas e não torná-los
Tantos dias colhidos sem retoma-los

Vejo o tempo tecer suas historias
No anseio da amante um marujo que volta
Nos braços do pescador um risco de navalha
O almejado descanso de quem navega
Sobre a tabua das marés os frutos da batalha

Permaneço assim em silêncio e sóbrio
Sensato entre o futuro e os dias pregressos
Observando o curso dos barcos sem lastimar meu norte
Ciente da certeza de que a lua me tomara ainda moço
Pois antes de me beijarem a boca eu já lhe fazia versos

 

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REPENSAR VOCÊ

Eu desarrumei a casa por completo

Tornei moveis obsoletas estacas e arquétipos

Troquei tudo de lugar

Pulei todas as configurações do dia

Para chegar à hora necessária de mudar

Depois saí remontando os rastros

Caminhados entre cômodos e esqueletos

Reaprendendo reconhecer o que modifiquei

Para comigo se convier voltar a conviver

 

Apreendi pelos armários algumas dores

Predispus em gavetas alegrias e prazeres

E deixei sobre a mesa nostalgias passadas

Pois é sempre bom reler momentos idos

 

Falta-me agora destrancar portas e janelas

Reavivar os ares e repensar você

 

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NO LÁBIO DA BOCA QUE LHE BEIJA

Apesar de ter saboreado muita coisa elementar

Propalo unicamente o mínimo que me sustente

Por isso tão ínfima a descrição de mim

 

Sou aquela que nada apreende e pouco ensina

Que ensimesma banalidades e fúteis posições

Que torce e se prende por onde o vento determina

Que usa do pensamento a consorte mais leve

 

Sou a mesma medida que o tempo me deve

Porem muito aquém das boas chances que tive

Sou por fim essa complexa completa ociosidade

Ocupando os espaços que a vida me mede

 

Porquanto a aparência que você me inveja

Veja-me como infundada abrupta e banal

Sou a úmida língua no lábio da boca que lhe beija

 

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O CIRCO

Eu me entristecia quando uns sentavam-se em tabuas

Outros em poltrona estofada

Se nas elucubrações do artista

A emoção do riso

A expectativa do risco

E admiração pelo ato

São únicas na comoção da plateia

 

A lona do grande circo

Foi aos poucos rasgando

Os panos erguidos

Deixaram evidente palco picadeiro

Camarim camarote e arquibancada

 

Então compreendi que viver é ser partícipe

Do mais lúgubre ou alegre espetáculo

Depois de ser todo pouco importa ser parte

Se não estiver nua e transparente e repleta

Nada será arte

 

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RESILIÊNCIA

Tanto vaguei pela beira do cais

Que em minha veia corre agua salgada

A carne tornara-se restinga e areia

E os músculos raízes no lodaçal do mangue

 

O coração petrificara com a mente

Os poros vertem limbo e maresia

E os olhos já nem se importam mais

Se ainda é noite ou outro dia

 

Da garganta surge o urro das ondas

E a língua lambe as pedras de apoite

Entretanto não me faltam silêncio e ar

 

Sim, o puro oxigênio que dança minha espuma

Adaptou-me a ser teu rumo e horizonte

O mar por onde teu barco navega e se apruma

 

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CONTRIÇÃO

Senhor, nesse momento de incertezas vãs

Piedade primeiro aos teus servos desolados

Abandonados pelos teus propalados pastores

 

Estes, trancafiaram-se em suas mansões e palácios

Isolados nas catedrais, reclusos pelos mosteiros

Retidos nos templos, escondidos nas igrejas vazias

Como se longe das ruas fossem intocáveis e salvos

 

Afugentados do mundo enclausuraram em seus espaços

Contidos em suas túnicas, batinas, sobrepelizes

Enforcados por seus cíngulos longe das ovelhas

Envoltos das estolas e dalmáticas

Vestidos das casulas e ternos assustados

Encarapuçados de suas mitras e ricos solidéus

Mas despidos da franca humildade do ser amado

 

Estes homens que tanto bradavam ‘vendo-te os céus’

Clamam desgovernados por seus próprios cajados

Astutos implorando o perdão dos pecados

Mas sem coragem de ir vê-lo face a face

Tanto oram e ainda quedam-se duvidados

Blasfemando a perda da moeda da fé

 

E a mim, Senhor, nu pecador confesso

Que de tanto nega-lo até nem sei e nem entendê-lo posso

A mim nada peço exceto que descanse

Longe das sombras do assombro desses falsos bons moços

Para que possa com teu povo lutar por um mundo novo

 

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ISOLAMENTO

É outono e o trópico ignóbil

Vira-se fútil e sem tempo

Reprimido em quarentena

Os dilemas da ultima estação

 

Talvez nem haja primavera

Caso o inverno venha perverso

E acirre o espirro do medo

Intensifique a eloquência da tosse

E em brasa a febre da sorte

Encerre o brilho dos olhos

 

Somente o amor perambulará pelas ruas

Em vigília aos pasmos amantes

Dentro de casa

 

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CANÇÃO DA GENEROSIDADE

Embriagai-vos de generosidade

Pois é chegada a hora de serdes abundantemente fraternos

Mas de uma fraternidade clara, translúcida

Impropria para os inconvenientes

 

Lá no sertão da alma

Quando arvorece a complacência

Doar aflora todas as definições de humanidade

E nos tornamos luminosos e iluminados

Preciosos e mais livres até no olhar

 

Doai do que vos farta

Fartai-vos dessa singela alegria

Afinal ainda é manhã e a hora propicia

 

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SEM PODER CHEGAR

Já não posso ir

Sair é um fosso fundo do poço

Inacreditável surreal

Indizível destroço

 

O homem se esconde do mundo

Completamente impotente

Nada mais é importante

Diante do incomum

Nem a hierarquia dos anjos

Nem a comunhão dos santos

Nem o descredito ateu

 

Nada se faz mais tosco sobre a terra

Senão a incerteza da espera

Ante a ciência da humana miséria  

 

Talvez haja ainda uma era

Um tanto menos vulgar

Em busca de caminho

 

Já não posso ir sem poder chegar

 

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ESCRITURAS

Há de vir a qualquer tempo e de qualquer lugar

Grafado em letras garrafais ou mesmo entrelinhas

Algum pingo num i da consciência sincera e justa  

Que releia todos os seres inclusive o homem

 

Conforte no enlace da solidariedade cada criatura

Aplaque se necessário o amargor da caminhada

Ensine justamente o contrário do que se apregoa

Sobre a contenda e a labuta didática da árdua disputa

 

Possa intercalar no suor do rosto o sorriso farto

As expressões da agonia à menor dor possível

Para que se cumpram as profecias pela forma amena

 

Pois tudo é passagem e se esvai na mesma onda

Dilui-se constantemente sem qualquer retrocesso

Ao que venha interpretar ao ler toda palavra escrita

 

 

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O TEMPO E O COPO

Há momento de rudez assim emborcado

Um copo liquidado sobre o mármore frio

Liso corpo transparente e sem vértice e cabo

Que nós mesmos o deixamos quieto e vazio

 

Nem jarro nem taça nem cálice ou xícara

Apenas comum instrumento sem alça

Que as mãos o levam raso ou cheio à cara

E mata a intensa sede da língua e da boca

 

Depois do bebido e não mais necessário

Aguardará pela própria água ser limpo lavado

Enxuto para outra vez pelos lábios ser usado  

 

Se descuidado cai e parte-se em pedaços

Feito o tempo sem proveito desperdiçado

E jamais alguém poderá unir-lhe os cacos

 

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FEITOS DE MEDO

Por um tempo estarei sem teu beijo

Sem abraço

Sem aperto de mão

Porque os tempos são outros no momento

E maldosamente nos impõe distâncias

 

Não me desapego fácil dos costumes

Mantenho colado aos laços os nós do coração

Por isso não entendo desses modernos avanços

Essa forma de conviver sem a relação que nos une

E pune por razões que nos invadem o ego

 

Estamos sendo feitos de medo

Só não posso desagregar

Da retidão dos teus passos

 

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A DÚVIDA DA FÉ

Se habitas os seres e não respondes por seus atos
Se conduzes aos destinos e ignoras-lhes os rumos
Se os caminhos apontas mas os deixas a deriva
A quem a ti se apega e crê no amor divino
Deveriam tornar-se ateus ou permanecer insanos?

Quando a verdade farfalha entre a dúvida da fé
Ensina-nos então a solidão de ser deus
Para que consigamos ser menos radicais
E talvez mais humanos

 

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CPP