Volume 2
INÍCIO
A fábula.
Era uma vez um grupo de alunos do curso de ciência da computação da universidade que estavam chegando para a primeira aula do ano letivo. O professor Meireles já estava na sala; cumprimentava cada aluno que chegava e percebeu que dois se atrasaram porque conversavam caminhando lentamente, sem nenhuma pressa.
Assim que eles entraram, Meireles ficou aguardando os jovens terminarem o diálogo, mas, como eles não pararam de falar, o professor perguntou:
- Posso iniciar a aula?
- Desculpe-me, pois éramos namorados na adolescência, perdemos o contato e só agora, no caminho da universidade, nos reencontramos. Eu sou Reginaldo e ela é a Yara.
- Prazer! – Disse Yara acenando ao professor.
- O prazer é meu. Eu sou o professor Meireles. Mas, eu posso saber por que perderam o contato?
- Minha mãe era rigorosa e ele era muito moderno para a época. Quando ela percebeu que o nosso namoro estava esquentando, transferiu-me para a capital e não tivemos como nos comunicar.
- Então, o Reginaldo era a “raposa” e você as “uvas”?
- Não entendi...
- Ele está falando da fábula. – Interrompeu Reginaldo.
- Explique a ela, mas bem resumido, pois estamos atrasados...
- Assim diz a fábula: uma raposa, morta de fome, viu, ao passar diante de um pomar, penduradas nos ramos de uma viçosa videira, alguns cachos de uvas maduras. Resolveu colher seu alimento. Tentou pegá-las, mas estava totalmente fora do seu alcance, cansou-se em vão e não conseguiu. Cansada, deu-se por vencida. Na verdade, preferiu admitir que as uvas estivessem estragadas, para não aceitar a sua falta de capacidade. Moral da história: “ao não reconhecer e aceitar as próprias limitações, o vaidoso abre assim o caminho para sua infelicidade”. Não foi assim?
- Mais ou menos...
- O professor quer dizer que eu não tive competência para recuperar a namorada?
- Quem pode afirmar isso é ela.
- Digamos que ele andou perto de comer as uvas. Não o fez por causa de minha mãe. E ficou difícil de nos encontramos porque eu fui levada de surpresa. Naquela época, a comunicação era precária e eu mudei de uma cidade pequena para uma capital.
- Não quis dizer que foi falta de competência, apenas te comparei com a raposa porque você se interessou por ela. Muito bem. Agora, vamos iniciar a aula, e no intervalo, faço questão de participar da continuação deste diálogo, pois fiquei curioso para saber como era o namoro de vocês.
- Tudo bem. – Concordou Reginaldo.
- Eu também concordo. – Disse Yara.
- Pronto. Vamos iniciar a aula. A ciência da computação é o estudo dos algarismos, suas aplicações e de sua implantação, na forma de software, para execução em computadores eletrônicos. O papel importante é armazenar e manipular dados, como é o computador digital, de uso generalizado. Também importantes são as metodologias, técnicas ligadas à importância de software que direcionam para a especificação, modelagem, codificação, teste e avaliação de sistemas de software. O estudo pode ser aplicado em qualquer área do conhecimento humano. A ciência da computação avançou em particular as áreas de redes de computadores, internet, net, web e computação móvel... Alguma pergunta?
Nenhum aluno se manifestou. Então o professor avisou que estava na hora do intervalo de vinte minutos.
A maioria dos alunos retirou-se e ficou apenas o professor, Reginaldo, Yara e meia dúzia de alunos curiosos tal qual o mestre, pois eles também ficaram interessados na história de amor de quando Reginaldo e Yara eram adolescentes.
- Podemos começar? – Perguntou Reginaldo.
- Sim! Você conta, mas ela pode interromper quando achar necessário. Combinado?
- Tudo bem. – Concordou Reginaldo, e iniciou explicando assim: Tudo começou num bailinho, onde tocava um baião e eu a tirei para dançar agarradinho.
- Na verdade, ele não ia para dançar e sim para me abraçar. Quase não saía do lugar. Eram passos miúdos. – Explicou Yara.
- Lembro-me como se fosse hoje. Ela usava laquê nos cabelos e um vestido rodado aparecendo à anágua. Sentava-se só para me mostrar.
- E a bebida? – Perguntou Meireles.
- Pouca. Tudo que a gente tomava eram algumas doses de cuba...
- Naquela festa, você representava a raposa e ela as uvas?
- Isso. O meu desejo era comer as uvas, mas até os beijos eram roubados, porque a mãe dela não dava trégua.
- Fale da lambreta. – Lembrou Yara.
- Foi num final de uma festa. Eu fui levá-la, eu na lambreta bem devagar e ela ao lado da mãe; caminhavam conversando. Quando chegamos, eu puxei assunto com a mãe dela para distraí-la. Yara entrou pela porta da frente e saiu pelos fundos. A mãe trancou a casa pensando que a filha estivesse do lodo de dentro. Estava muito escuro e Yara chegou com a chave da porta do fundo na mão, tremendo de medo, querendo desistir. A idéia foi minha, mas confesso que também tive medo. Então, ela apenas me beijou e voltou correndo. Tentei ligar a lambreta, mas não quis funcionar. Aí, começou a aparecer cachorro latindo. Cada vez que eu tentava acionar o arranque: “ram”, “ram”, “ram”, e os cachorros: “au”, “au”, “au”. Os animais foram se triplicando e o jeito foi eu sair empurrando a lambreta com um monte de cão me seguindo, latindo sem parar. Por uma questão religiosa, não posso dizer que era uma procissão, mas parecia.
- E depois? – Perguntou o professor enquanto Yara não parava de sorrir.
- Aproveitei uma ladeira e a lambreta pegou, mas os cachorros ainda tentaram me seguir. A sorte foi que, apesar de ter chamado a atenção da vizinhança, os pais dela não perceberam.
- Então, você não comeu as uvas?
- Não! De jeito nenhum.
- E qual foi a próxima festa?
- Foi um noivado da colega dela. Yara estava com um vestido tomara que caia e a orquestra resolveu tocar músicas antigas. Eu a apertava e, ao mesmo tempo, ficava olhando, por dentro do corpete; os seios dela pareciam que queriam pular. Nós estávamos muito perfumados.
- Na época vocês eram quase crianças?
- Éramos, mas ele fazia o papel do homem terrível e fazia tudo para me agradar. Ia sempre me levar de volta para casa, mas minha mãe estava sempre comigo...
- Como você se sentia? – Perguntou o mestre.
- Pagando “mico”. Era assim que as minhas colegas diziam.
- E a pílula já existia?
- Já, mas ninguém comentava, pois os pais daquela época diziam que só podia comer uvas depois de casados.
- E agora, como estão vivendo?
- Com outra?
- Sim! Nunca pensei que fosse acontecer este reencontro.
- E você? – Perguntou o professor para Yara.
- Casei-me também. Tenho uma filha e o Reginaldo prometeu uma visita para conhecer minha herdeira e o rival dele.
- Eu me casei e tenho dois filhos...
- Então desejo que vocês sejam felizes e que mantenham esta amizade viva, com o mesmo respeito que a mãe dela ensinou, porque o método antigo pode não ser agradável, mas tem muito ensinamento e é rico em exemplos de vida saudável. Agora, vamos continuar com a aula e esquecer um pouco a fábula...
Roger Dageerre