Posts de Paulo Sérgio Rosseto (362)

Classificar por

COMUNHÃO

Do pão que reparti
Também comi
Servi a ti e aos teus irmãos
Alimentou-nos
Aclarou a calma
Unificou, reuniu, purificou e afiançou a fé

Por menos que se creia na perfeição da alma
A força que fala ampara sentimentos
Apara o que desaponta
Desponta e complementa
A integridade do todo e de qualquer desejo

Pedaço a pedaço mastigamos
Remisturando gostos e sabor
À rigidez íntima das vertentes
Imprudentes verdades que se misturaram
Entre a língua, palato, fome, fala e os dentes

Esse ato único de ruminar, remói, transforma
Modifica os gestos do rosto, elucida e alimenta
Toda espécie de informação e forma plural
Ilumina a face ainda que por dentro
Erroneamente procrie tártaros e caries
Acaricia a confiança
Sedimenta e aflora a vida
Refaz, revela e nos torna mais próximos

Da construção maior do ser
Num simples pedaço de pão
Revigora em comunhão
Repartir sacia

PSRosseto

Saiba mais…

OS DIAS VIVIDOS

Quando puder reconte os dias vividos
Refaça o tempo de frente para trás
Regresse, regrida, reverta, retorne, retome
Tente voltar
Passe novamente cantando por onde precisaste ir
Com outros olhos onde foi desnecessário estar

Reveja e inveje tua pecaminosa vida
Que construíste sobre falsos pilares de amparo
E abrace cada erro com mãos de peregrino
Com carinho e análises de pai

O que houve de acertos somaram-se sólidos
Constituem justamente a piedade com que averiguas o que se foi
Essa capacidade de enxergar o que deixaste fenecer
Tornará grande o que porventura apequena tua paz

Quando puder redesenhe caminhos andados
Sem necessariamente trilha-los de novo
Tenha consciência de que os teus passos
Jamais seguirão os rastros dos meus
Ainda que façamos parte desse mundo imaturo
E tenhamos nos encontrado
Num repente de coincidência sem perceber
Que viver é conseguir ser totalmente irreal

PSRosseto

Saiba mais…

O TEMPO EXPIRA

Fecha a cortina para diminuir o sol
Retrair a luz
Tornar opaca a mera visão do dia

Cochila recostada à cadeira
Cerra os olhos
O instante congela quando fecha a janela

A nuvem densa esconde a lua
Depois chove
E a noite se molha negra e ensopada

De silêncio a madrugada silencia
Tranca os lábios
Aquieta a língua e o pensamento flutua

Não há morte encomendada
Tudo é normal
Como qualquer ato cedente

Apenas continua o gesto motor
Repetido movimento
A gente segue e o tempo expira

Há quem adoeça e soluça e suspira
O prazo extingue
E o corpo – ah o corpo não mais respira

PSRosseto

Saiba mais…

SEDA

 
Ela gosta dos acordes menores
Tão mínimos quanto os apelos
Que adormecem por entre as teclas
De um brando piano alvo recém-aberto
 
Ritma pelos suaves dedos dos artistas
Que brilham humildes em sandices
Usando ágeis frases nos trastes das violas
Abalroadas de canções e calmarias
 
Canta nas tardes que ardem melancólicas
Nas plumagens que acentuam as cores do lilás
Nos holofotes que incendeiam as pupilas
Quando fogem sem razão do insano silêncio fugaz
 
Sem as notas não seria ela leve como assobios
Não haveria frágeis quanto nuvens em prenúncio
Nem chegariam amparadas ou deleitariam
Nas entrelinhas das escalas as claves das pautas
 
Lê enfim a flor das gotas ou a granel
Toques, tons, alma, sonhos, melodias
Sobre a grande seda desenhando no papel
Os viandantes sons de seus entreabertos lábios
 
Eu dela gosto por ser ela assim tão maior
Envolta em dons repleta de poderes
E ainda que advenha dos mais rudes cristais
Tudo transborda em completa poesia
 
PSRosseto
Saiba mais…

DESCONFIANÇA

Esse amargo embaraço que turva as vistas
Exalta aflita falta de carinho e abandono
Noda de reminiscências ocas imprevistas
Calma adormecida pelo desleixo do sono

Manchas de carvão nas vestes da alma
Que podam e apontam o contorno do corpo
Desmancham a indefesa áurea apagada
Perfurando as dobras e rugas da pele

Estampa as marcas do travesseiro de pedra
Ausência de um cinto que afivele o ânimo
E esse jeito comprimido irremediável da mente
Sem perspectivas em saber-se para que vieram

Os sinais de que macios turbilhões revoltam
Ensinam o estigma da deliberada conduta
Desapontam o entrelaçamento das amarras
Quando fingem sumir e surpreendentemente faltam

Não reconte pois agora os segredos nem os revele
Cedo demais depois para que não esvaeçam
Nem tardiamente antes por conta da desconfiança
Como se pudessem outrora por decisão detê-los

PSRosseto

Saiba mais…

O TEMPO

Sou um mercador de sementes
Não somente um semeador ou reles sementeiro.

Sou eu a verdadeira pureza
Que deteriora o fruto, arrebata o bago
Estala a vagem, decompõe a polpa
Resseca o talo, carcome a carne
E oferece aos homens, ventos e pássaros
As chances cruas da refloresta
A oportunidade de novas mudas
O reinicio dos ciclos
A perene teia que peneira.

Independo que tuas mãos sintam
A repentina ou comprometida fiança em plantar.

Os meus amigos passam pelo pórtico da Cidadela
Arrebatam jardins e pomares
Sentem as rosas, colhem mangas maduras
Descansam sob os pequenos arbustos
Conversam com as cigarras ciganas
Que adivinham as manhãs e temerosos
Entreolham nos olhos da venenosa esperança.
Simplesmente trabalham, comem, engendram
Regeneram, recuperam as forças tamanhas.

Ao invés, sou essa incólome presença
Porque trago a teimosia resoluta dos amanhãs.

PSRosseto

Saiba mais…

LANCINANTE

Sei do amor
Que parte a fala ao meio;
Da longitudinal distância exangue
Que se esvai severa
E deixa o dorso quedo;
Frívolo estupor que mingua a veia
Como se pudesse viver
Desprovido sequer de um ai
Pelo fio e frio apelo
Da misericórdia que torna pio
A incessante insensatez
Insegura e injusta dor
De galgar atroz
O que põe doido

Resvala a arte
Em sua lancinante
Inoportuna sorte
Como se também soubesse ela
O dia infinito
Que parto eu
Junto a minha morte

PSRosseto

Saiba mais…

VERBAL

A língua ávida passeia a cavalo

destemida e solta. Lambe

o pescoço em revista à bandeira;

atrevida ergue a face onde o dorso

curva perplexo pelo próprio beiral

sua confortável e certa trilha.

Pátria-palavra nada frívola

súbita conjunção que exulta

o mais nobre preceito verbal.

 

Amar é todo esse exercício

explicito de exuberância efêmera,

de um povo-poder evidente

incrível e intencional cabível.

Comove-se com a rude arte

faz parte desse ápice supremo

Imparcial inexato convincente;

convive com o sempre

envolto em um desafio real.

 

Do amor a língua por fim tritura

de forma ambígua e frugal.

Arrebata a criatura e a mente,

debela estruturas e intenções.

Desestrutura o secreto,

preconiza rupturas virais,

torna plausíveis as esperas,

entendimentos concretos,

possibilidades únicas do anormal.

 

Mesmo quem surja impróprio inviável

controvertido e estrábico contundente

de benevolência augusta improvável;

que apoie ao ócio entre o ópio e a pia

pelas risíveis manchas promíscuas nas vias -

também enxerga relevantes e indomáveis

imagens, registros de indecifráveis cores:

sentimos transpirar incontinente o ardor

que amarga e queima a verve da gente.

 

PSRosseto

Saiba mais…

ARAUTOS

Bem feita terra à espera da chuva
Apupos do arado depois da colheita
Como quem espelhando louva
De olhos cerrados a primavera
Ouvindo os ventos harmoniosos
Da era dos trópicos e hemisférios
Brindando o solstício entre os mistérios
Revelados nas forças da natureza

As almas carreando a luz do verão
Sorriem sucintas festejadas
Entrecortadas entre frutos maduros
Hão de existir definidamente
Suculentas em meio a sinfonias
Dezembrinas transmutadas em gente
Arrebatando nós e correntes
Enunciadas pragmáticas de pura leveza

Então copiosos arautos desses aromas
Nos conduzimos pelas baías vertentes
Onde o sol nas salinas custa surgir
Nas distantes geleiras dos continentes
Nas frias semânticas tão primitivas
Galerias de neves entremeadas
Respeitando intenções e pressentimentos
Celebramos a dádiva, a vida e a beleza

PSRosseto

Saiba mais…

SEPARAÇÃO

Eram frutos de uma busca indiscreta
Corrigida pelo tempo abstrato.
Não detinham essa plácida paciência.
Cultuavam sim a perplexa vertigem
De quando checavam suas miragens
Com meia dúzia de linhas levitadas
Declaradamente inibidas que por si só
Astutas os amavam inteiras, secretas.

As tardes arrebatavam os seus barcos
Reviravam suas terras
Onde sombreavam porções de idolatria
Nutridas, reciprocas, reavivadas
Atadas às incontáveis e desejadas
Esperas dos voluptuosos abraços
Que os detinham enamorados
Entre as longas gloriosas rotinas.

Então se olharam pelo avesso, certa feita
E não mais viram defeitos nem distâncias.
Desaproximaram as faces das labaredas
Repensaram sensatos as verdades abertas
E se deixaram incontáveis à separação
Sob o limite da ventura coincidência
Intocáveis, temidos, exaustos
Onde hoje o amor não mais se deita.

PSRosseto

Saiba mais…

MEU CORAÇÃO TE ESPERA

Na superfície virgo da terra
Submundo do universo
Meu coração te espera
Anverso e vagabundo
Desesperado de antevéspera
Em qualquer buraco que seja
De profundeza imensa ou rasa
Instado a um esteio de casa;
Na garganta dos questionamentos
Nas cordas vocais dos relâmpagos
Junto a estrondosos trovões
Meu coração te espera
Em matizes pintadas por sóis
Em meio a esplendorosas placas
Multicoloridas de cal
Com gosto de cana e ácido
Azedo agridoce dessa imensa
Saudade pálida vertical;
Entre virgens flores cheirosas
Poderosas torres de verdes talos
Meu coração te espera
Onde os insetos se aninham
E dormem os ariscos pássaros
E sonham os anjos cansados
Enquanto seguem os passos
Dos ventos anciãos
Que assopram e espalham na esfera
As boas e más notícias
Sem subestima e esperas;
No paradoxo de ideias
Sob impactantes mudanças
Ideologicamente perfeitas
Meu coração desespera
Vivendo a opção desse aguardo
Na simples rimada filosofia
Em que amar é modificar
Geopoliticamente reinventar-se
Nas sobras da própria poesia.

PSRosseto

Saiba mais…

ENTRE UM E OUTRO GRITO

Quem imagina um verso e não o anota

Perde a essência de seu momento

Acontece comigo às vezes o absurdo

Em passar a noite versejando solto

E após perder toda ideia remota

Ver-se por ordem todo incompleto

 

Assim são as chances que se busca e almeja

Passam coloridas pelas sarjetas

As contemplamos e deixamos seguir

Pelas horas macias das preguiçosas sestas

Esvaem-se ligeiras e jamais retornam

E se voltam talvez não venham perfeitas

 

Onde mora a palavra simples, em qual fonte

Reside também o absoluto ar devaneio

As falhas do que valha o princípio da graça

A generosidade do risco pela ventura

Loucuras do perder-se em outro dia

Porque nos sentimos frágeis e débeis

 

Esquecemos dos boleros, folhas que bailam

Ante aos ditames que desafiam um aflito

Sabor de vento doce recheado de aromas

Que afugenta os dilemas e retoma

Ao menos a vontade de novas conquistas

No silencio sereno entre um e outro grito

 

PSRosseto

Saiba mais…

INCIDENTE URBANO

uma incerta lua todo dia
atira-se do semáforo
entre avenida e rua
vestida de alizarina
travestida de heroína e anjo

surge dentre os prédios
e descalça perambula
onde nenhum olhar alcança
junto a poças de células vivas
sobreviventes do asfalto
em meio a ocre via de fumaça

sai recolhendo o caráter sintético
dos obituários por falência múltipla
desperdiçados como tantos passantes
insertos e perplexos suburbanos
provisórios habitantes da rotina
dessa contemporânea falácia
clamando por misericórdia

assusta-se unicamente
quando ouve claros rumores
de que a todo momento morrem
eternos amores e sentimentos
antes da hora ou passados do ponto

explica-me então que esses abissais incidentes
dependem da ilusória sorte
e que além da cobiça e mais
haverá sempre por certo
entre as faces duplas dessas veias
possíveis acelerados desacertos
pois enquanto alguns fenecem
abrem outros triviais sinais
em outros tantos cruzamentos

PSRosseto

Saiba mais…

INSENSATOS

Preciso alguns gomos para compor poncãs

Inserir sementes nos bagos

Envelopar delicadamente seus adocicados cristais

Costura-los então com cordões de cera e seda cítrica

Acoplar tudo no hermético veludo interior das cascas

Para que não se deteriorem e suportem as intempéries

Dos olhares de cobiça pelo viés cheiro hibrido

E suas magnificas alaranjadas cores

 

Depois pendura-las na ponta dos galhos

No segundo andar dos pés como bandeiras expostas

Já todas madurecidas pelas mãos do tempo

E aguardar a hora propicia de as apanharmos

Insensatos da janela

Igual fez Deus outrora incendiando astros

Para espalhar estrelas

 

Simples assim como fazer poesias

 

PSRosseto

Saiba mais…

ÓBVIO

Tem certas coisas no mundo que é bem melhor não saber
Fatos que o tempo diz explicar, mas que prefere esconder
Camufla no já moído peito da gente e se descobre faz doer
Dói tanto que às vezes mata segredos do bem viver

Ninguém procura verdades pelo tosco prazer de sofrer
Assemelha-se à saudade, vem com o inconsequente querer
Desce e se apossa da mente, invade o corpo, confunde o dever
De se evitar que se morra matando o seu próprio ser

Se um dia for necessário seu cais impedi-lo ver
O sol das respostas claras da clarividência desprender
Jamais constranja o destino, deixe o impreciso acontecer

Pois tudo se acha, se encontra ou também pode se perder
No exato propósito do óbvio repentinamente surpreender
O intenso paradoxo da vida que se renova ao nascer

PSRosseto

Saiba mais…

CARISMA

O carisma com que tratas os teus dilemas
Evidencia o que persegues
Exibe o que inseres
E pontua tuas robustas referências.

Por preferência escolhe dentre as facetas
Aquilo que enceta teus rumos
Apruma e repagina tuas buscas
Reafirma teus mundos
Determina os investimentos
Dentro e fora dos teus sonhos
Em tudo o que acreditas.

Assim procedo
Com o que me condena
Ou indulta.

 
PSRosseto
Saiba mais…

RESILIENTE

A menor partícula resistente
Reside no momento
Onde quanto maior for o desejo
E mais ardente
Efêmera será a hipótese
E o receio
Da palavra ser partida ao meio
Ou prender-se no silêncio
Do beijo velado
E dado pelos lábios
Num hiato entre os dentes!

PSRosseto

Saiba mais…

O SAL DA TUA LÁGRIMA

A água pura
Quando da tua emoção desceu
Deixou rastros,
E verteu abundante
Entre cílios e poros
No entorno dos olhos teus

Mapeou o macio veludo do teu rosto
Acendeu a expressão casta da tua rosa
Riscou mansa a pele avelã em úmido apupo
Encharcou com rubor tuas maçãs e brios
Fez brilhar ainda mais as tuas meninas
Marejou os rebeldes fios das tuas franjas
Renovou vontades em teu soluço
Até ver-se displicentemente acolhida
Pelas costas âmbars,  nos gestos parcos
Do enlace terno das nossas mãos
 
Tua anônima poesia, no entanto
Discreta e efêmera
Abrasou meus lábios
Ao me sentir no gosto azul
Entre o ósculo e a língua atônita
Ao provar do sal da tua lágrima
 
PSRosseto
Saiba mais…
CPP