Posts de Edvaldo Rofatto (81)

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PASSAGEM

Passagem

Quem cola o bilhete do tempo
Que nos leva de volta à infância?
Só queria ser passageiro
E poder visitar a minha criança  
Na velha casa de hábitos velhos.
Tantos anos castigam sua velhice.
(Castigam também este coração.)
O presente devasta o passado
Mais que o incerto futuro.
Está em pedaços o bilhete,
E estou só nesta estação.
Mas eu queria voltar para lá.
Entrar na casa. Ir para o quarto.
Deitar sob o cortinado.
Esperar ele vir clarear a noite.
“Bença, pai!” – eu pediria.
“Durma com os anjinhos.”
Ele diria antes de apagar a luz.
E a noite inteira ficaria azul
Como os olhos dele.

(E. Rofatto)

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FELINOS

FELINOS

Rei ou servo? Ante o desejo, presa
De si mesmo na instintiva savana
Onde a lascívia cultua o combate.

Áurea tarde de âmbar do olho de tigre
Dilatando em urgência o felino
Anseio predador que ele todo era.

Veio a noite-pantera e arranhou-o.

De manhã, mirava ele a mesma leoa.

(E. Rofatto)


10026098100?profile=RESIZE_180x180Julie Newmar, atriz

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REDOMA

REDOMA

Igual a quem vira páginas
Do fim ao início de um romance
Para reler emoções já vividas
Volto ao meu velho jardim.
Eu envelheci bem mais que ele
Com seus canteiros demarcados
Por úmido musgo e escura murta.
Aqui naquelas tardes de música
Dançavam todas as vozes
Dos ares das águas das árvores.
A vida não se ameaçava de mortes.
Igual ao colo de minha mãe
Aqui eu me aconcheguei
Ouvindo bater o coração do mundo.
Mas agora nesse silêncio
Dos ares das águas das árvores
Envoltas numa solidão sem alma
Que vozes dirão as tardes
Que anoitecem em mim?

(E. Rofatto)

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VULGATA

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VULGATA*

Ave, palavra!
Asa da crença
Que alça voo
A cada letra.
Mas seu sentido
De palma e pedra
Cá dentro fica
E faz da mente
Igreja bíblica.
Ave, Jerônimo
Com seu leão,
Sua caveira.
Sua canção
Na língua antiga
Resume o mundo
A ermo arvoredo
De que até hoje
Eu me circundo,
Meu São Jerônimo.

(*nome dado à Bíblia traduzida, por São Jerônimo, do grego para o latim)

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Aniversário

ANIVERSÁRIO

                       a Zeka Avelar

Como hoje é o teu aniversário
A somar tanta idade acumulada,
Se tua renitente infância
Dá a luz de todas as manhãs
A noites de tantas pessoas?
Renasces cada dia mais menino
Tanto mais os homens envelhecem
Pela senilidade dos erros repetidos.
Por isso, dura um ano inteiro
A celebração do teu aniversário! 
Tua presença está marcada 
Em cada dia do calendário,
Pois fazes do vento da tua palavra 
Jardineiro do verso que semeias
Para acolhermos no coração
A beleza das flores intuídas, 
Qualquer que seja a estação.
E isso que nos dá de presente,
Fica eterno em canteiros da tua alma
Inteiramente de poesia florescida
E de toda adúltera maldade ausente.

(E. Rofatto)

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BENDIÇÃO

 

SAL DA TERRA

Sempre fui curiosa e certa vez trabalhei como apontadora de café numa fazenda: contava os sacos de café colhidos e fazia os pagamentos. Para mim era diversão pois não precisava trabalhar. Minha vida sempre foi muito abastada. Meu pai era do Exército e sempre supriu todas as necessidades. Então eu não entendia muito bem o quanto era laboroso e árduo o trabalho daquelas pessoas.
Eu gostava do "povão" como dizia minha irmã. Gostava e gosto muito de estar perto de pessoas simples, que independente dos bens que possuam não perdem a humildade. Não me sinto nem nunca me senti que era "rica", de família tradicional, de "nome" na cidade. Esse status de "elite" não cabe em minha vida. 
E também não entendia o porque de meu fascínio pelos idosos e idosas. Tenho uma empatia enorme e um respeito imenso por sua sabedoria. Não entendia até deparar-me com um texto maravilhoso de meu amigo Edvaldo Rofatto cujo título é "Bendição". E então percebi o que tanto me encanta nestas pessoas: as suas histórias. Em como contribuíram com seus trabalhos árduos e o suor de seus rostos para o progresso de onde viveram. Me fascina os relatos das épocas idas, das lembranças carinhosas e do respeito pelas suas trajetórias e tradições.
Creio que exista uma aspas em minha vida por que estes relatos, de minhas famílias, foram-me omitidos; talvez um pequeno relato aqui ou acolá de minha saudosa Vó Conceição que amava contar histórias.
Costumo dizer que os vozinhos e vozinhas são a história viva e estão aí para nos contar o que e como viveram nos momentos importantes da História de nosso País. Mas infelizmente muitos são abandonados, tratados como senis que não possuem mais nada para contribuir. Leso engano. Quanta riqueza e sabedoria há em suas vidas, a espera de alguém que pare para conversar um pouquinho, que os trate com o respeito que lhes é devido.
Estes são os verdadeiros "sais da terra", eternas "bendições" com suas lutas, suas vivências.
Transcrevo aqui, com a permissão de meu grande amigo e exímio escritor e poeta Edvaldo Rofatto, o texto magnífico que nos remete à uma reflexão ímpar

(ANGEL)

BENDIÇÃO

                    (para Otávio, Henrique e Vítor)

Todos os que vieram antes de mim,
Foram forjados de terra.
Graças a Deus!

O amor com que eles a cultivaram
Deu-lhes duras marcas desse labor:
– Lida com terra grava à flor da pele
Sinais de fino trato com enxada e podão,
Espinhos nas palmas e flores na alma,
Mas também ensina uma religião
Capaz de fazer do homem um deus
Que ama cria enterra e ressuscita,
Semente filho neto sobrinho velho,
Como todos eles bem fizeram,
Num eterno ciclo de laço e labuta,
Graças a Deus!

Terra amorosa,
Poeira subida na valsa dos ventos
Foi enchendo de telúrico fôlego
Pulmões de tanta gente,
Força inalada para levantar
Mil vezes podões de cana,
Mil vezes cabos de enxada,
Mil vezes crianças ao colo,
Todas as vezes, do solo ao céu,
Olhar de exata e infinita compreensão:
Assim como é embaixo, é em cima.
Quintessência entranhada
No suor corrido no rosto,
Misturado aos olhos e à saliva:
Pele, mucosas, papilas de terroso sal.
De terra fomos – e para sempre seremos!
Pai que abraça, mãe que embala,
Colo que sempre aconchega.
Graças a Deus!

Dai-me, Senhor, que eu me sinta
Mais puro e nobremente vestido,
Quando tiver todos os meus poros
Abençoadamente cobertos de terra
E limpos do que é a miséria dos homens:
Egoísmos, ganâncias, torpezas.
Assim poderei me reencontrar com os meus,
Do jeito como fui preparado por eles.
Assim poderei me misturar com os meus,
Sabendo-nos feitos da mesma matéria.
Assim poderei enterrar em mim este menino,
Em perfeita paz e plena serenidade,
Tributo de gratidão imensa aos meus:
Na terra, tiveram seu campo de trabalho,
Seu eito de retidão para as boas histórias:
Nascer, crescer, morrer, renascer
– Semeadura e colheita no infindável cultivo
Da vida para a safra das boas lembranças.
Que me encha dessa terra meu último suspiro,
Que a ela eu me misture para ser adubo
Do que há de florir em alheios canteiros
Que nela eu me disperse
E estenda meus braços às sementes
E acaricie de tantas raízes o sono leve
Que é vigília para primaveras dormentes.
Deus permita!

(E. Rofatto)

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SORRINDO - dueto

Um abraço, Zeka, com gratidão pela pessoa que você é - sempre a me ensinar tanto!

Carlitos na tv enchia de risos as tardes da minha meninice, e Ademilde nos discos de 78 rpm, cantava na sala, quando minha mãe me ensinava a dançar!

Tempo bom! Bom ler teu poema, Zeka!

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