Centelhamento
por J. A. Medeiros da Luz
Remiro, bem de viés, este tampo
Da velha amiga escrivaninha
(Que o sol invernal — de viés também — alveja)
E vejo o pardo baço dos argueiros da poeira
Que os secos dias do presente insuflaram,
Mas Zéfiro falhou no transportá-los,
Para mais além.
Haverá, igualmente, em paralelismo,
Na ponta da caneta, encrustada,
Aquela tinta, que tantas emoções já graficou?
A chalupa do marujo encarquilhado,
A sela do exaurido tropeiro, ajaezada,
Já se escangalharam pelas intempéries?
Já se corroeram pelas cracas e moluscos que,
Sub-repticiamente, subaquaticamente,
Aderem-se ao casco da existência?
Avante, pois, meu bom homem!
Que a mula do destino ainda espera;
Avante, que o mar dos desafios
Ainda se contorce em vagalhões e mil procelas.
E tu, denodado Dom Quixote ressurrecto,
Haverás de persistir em demanda do Santo Graal,
Em demanda de Eldorado,
Em demanda do elmo de Mambrino,
Por mais que tenhas ainda de duelar
Com moinhos de vento,
Com megapotências poliatômicas.
Vai tu, meu Alter Ego, vai,
Que eu fico cá, adstrito a este tampo
De imbuia da velhusca escrivaninha,
A esperar o cristalizar dos versos, que talvez
Não mais, não mais
Eclodirão daquele limbo etéreo, nascedouro
Dos sonhos das crianças e dos anjos...
Ouro Preto, 04 de agosto de 2024.
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